Artigo de Opinião escrito por Patrícia Freitas – Estudante de História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Por esta não esperávamos. Depois de uma pandemia que abalou o mundo, agora temos uma guerra a estalar às portas da Europa? Max Weber dizia que uma guerra na Europa era História, mas uma guerra em África não era. Atualmente, ninguém se atreve a compactuar publicamente com esta ideia, ainda que seja essa a mensagem que recebemos quando a única coisa que domina a opinião pública agora é a guerra na Ucrânia. E é, de facto, um conflito com causas antigas (com as quais a Europa não soube lidar), cuja atmosfera de incertezas sempre dominou a estratégia de Vladimir Putin, o principal responsável por uma crise humanitária que está a expor internacionalmente as suas ambições expansionistas e imperialistas. Esta é a primeira conclusão e, também, a mais óbvia. Mas uma coisa é certa: a retórica que tem vindo a dominar o espaço de debate público é pouco esclarecedora, muito desinformada; estranho ser assim,numa era de digitalização, até da própria guerra. 

Quem conhecer a política externa americana das últimas décadas, certamente perceberá o que está aqui em causa, nomeadamente a necessidade urgente de desmilitarização dos Estados europeus após 1945. Há muito tempo que Putin se manifestava contra as pretensões de alargamento da área de influência da NATO. A era Gorbatchov ficou marcada pela promessa de os EUA não expandirem a NATO para países de Leste; o final da Guerra Fria trouxe consigo o desmantelamento do Pacto de Varsóvia; nada disto legitima a atitude errática e selvagem de Putin, porque nada justifica a guerra. Mas é necessário saber isto. A NATO tornou-se numa organização militar instrumentalizada pelos EUA para pôr a Europa no seu devido lugar. Afinal, em 1962, Kennedy não se viu num impasse quando a União Soviética instalou mísseis em território cubano, a uma distância de apenas 140 km dos EUA? O resultado foi mais ou menos o que esperaríamos que acontecesse hoje: Kennedy concordou em retirar os mísseis que tinha na Turquia e Khrushchev apertou-lhe a mão. 

Sejamos conscientes ao ponto de reconhecer que a política externa das grandes potências nunca é orientada para o bem comum (veja-se o caso contemporâneo da China, ao colonizar financeiramente alguns países africanos). Nem os EUA nem a União Europeia pensavam que o presidente russo ia invadir um país soberano nesta altura. Qual é então o papel das democracias liberais? A Alemanha hesitou, por momentos, quanto à aplicação de sanções económicas à Rússia, pela razão de estar dependente dogás daquele país. Isto leva a uma questão ainda mais pertinente: nos últimos anos, as políticas “merkelianas” arrastaram a Europa para onde? Do outro lado do oceano, o presidente norte-americano já pondera iniciar conversações com Nicolas Maduro sobre um possível entendimento para garantir o fornecimento de petróleo. Como se vê, chegamos a um momento em que dois países geograficamente próximos, mas com relações diplomáticas cortadas e com um clima de tensão aumentado desde o período trumpista, se sentam à mesa para reavivar contactos. 

Acrescento uma nota esta breve reflexão. A ajuda humanitária que está a ser posta em curso é de louvar; não há como tirar o mérito a quem dispõe do seu tempo e dos seus recursos para amenizar as consequências desta brutalidade. Mas o humanismo não pode ser seletivo. O racismo e eurocentrismo a que estamos a assistir descredibiliza todo o processo de ajuda humanitária: quem não é branco ou ucraniano não tem prioridade para atravessar a fronteira. Até quando vamos deixar passar esta triagem segregadora? 

Para finalizar, deixo aqui um excerto de uma obra de referência do sociólogo Ulrich Beck, ao qual devemos prestar atenção: “Em todo o caso, encontramo-nos num momento histórico difícil no qual nos deveríamos voltar a lembrar da definição de crise de Antonio Gramsci. A crise, diz Gramsci, é o momento em que a velha ordem mundial morre e em que é necessário lutar por um mundo novo, contra resistências e contradições. Porém, é precisamente esta fase de transição que é marcada por muitos equívocos e desordens”. Embora esta citação faça referência aos acontecimentos do período da crise económico-financeira de 2008 (crise do euro), mantém-se bastante atual. A ilusão de que temos vivido em paz desde o fim da Segunda Guerra Mundial é um sentimento generalizado. A afirmação da hegemonia económica e militar dos EUA serviu, em grande parte, para travar a ascensão e propagação do comunismo soviético, tendo-se criado instituições cujos objetivos eram precisamente manter a nova ordem mundial capitalista. Na realidade, a paz que nos vendem é constantemente interrompida por outras guerras pós-1945 que a História decide ofuscar: as guerras no Vietname, Jugoslávia, Sérvia e outras.

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