Os “Factos vistos à Lupa” por André Pinção Lucas e Juliano Ventura – Uma parceria do Canal N com o Instituto +Liberdade
Voltamos ao mesmo tema do último artigo, onde analisámos a “utilidade” de cada voto, nas eleições legislativas. Mostrámos como 761 mil votos não elegeram deputados em 2024, devido ao sistema eleitoral vigente, caracterizado por vários círculos eleitorais muito pequenos. Esse “desperdício” de votos é muito reduzido em Lisboa (3%) mas chega a 40% em Portalegre.
De facto, o sistema eleitoral fomenta o centralismo. Todos os partidos que, atualmente, estão representados na Assembleia da República, exceto os partidos fundadores da democracia (CDS, PCP, PSD e PS), entraram no Parlamento pelo círculo eleitoral de Lisboa. O facto de o círculo eleitoral de Lisboa eleger o maior número de deputados (48 em 230, atualmente, sendo que há círculos que elegem apenas 2), é a principal explicação para esta realidade.

Em 1999, o Bloco de Esquerda chegou à Assembleia da República ao eleger dois deputados pelo círculo de Lisboa (Francisco Louça e Luís Fazenda). Em 2015, André Silva foi o primeiro deputado eleito pelo PAN, também pelo círculo de Lisboa. Em 2019, entraram mais três novos partidos para a Assembleia da República (Chega, Iniciativa Liberal e Livre), e todos eles elegeram um deputado em Lisboa (André Ventura, João Cotrim de Figueiredo e Joacine Katar Moreira, respetivamente).
Ao contrário dos partidos fundadores da democracia, que se estrearam com deputados eleitos por vários círculos ao longo do país, os partidos mais recentes só conseguiram representação porque tiveram concentração de votos suficiente em Lisboa. Em círculos mais pequenos, mesmo percentagens relevantes de votos raramente traduzem-se em mandatos. Este padrão reforça o centralismo político e levanta questões sobre a representatividade e o equilíbrio territorial do sistema democrático português.
Assim, existe um incentivo perverso, e prejudicial para o desenvolvimento do país, para que os partidos sem assento parlamentar concentrem as suas campanhas nos maiores círculos eleitorais, já que a dispersão por todo país não será recompensada. O mesmo incentivo aplica-se para os partidos maiores que queiram crescer mais.
Apesar das evidentes fragilidades do atual sistema eleitoral, estamos no fim de uma campanha eleitoral onde o tema praticamente não foi abordado, pelo que não se esperam mudanças relevantes nos próximos anos.