Artigo de opinião de Cristina Passas, consultora.
No passado mês de dezembro, fui desafiada pelo Canal NTV para escrever sobre as minhas memórias natalícias. Fi-lo sob forma de narrativa. O meu texto intitulava-se “O Conto que conta… O vidro embaciado!” e tinha como “pano de fundo” a Linha do Tua.
E tenho que ser sincera: a Linha do Tua e a sua reativação é algo que me dessossega, porque a Linha do Tua, mais do que uma via-férrea desativada, é um símbolo de um potencial esquecido, um fio condutor que ligava comunidades e promovia o desenvolvimento de uma região outrora vibrante. A sua reativação não é apenas um anseio de alguns, mas uma necessidade premente para o progresso de todos os territórios que atravessa.
Inaugurada no final do século XIX, a Linha do Tua, com os seus 134 quilómetros, era uma artéria vital que serpenteava por paisagens deslumbrantes, ligando Bragança e Mirandela a Portugal e ao mundo. Desempenhou um papel crucial no transporte de mercadorias, como o vinho, o azeite e os produtos agrícolas, e impulsionou o turismo, atraindo visitantes para as Termas de Carvalhal e para a beleza intocada do vale do Tua. No entanto, o seu percurso foi sinuoso, marcado por avanços e recuos, culminando na sua desativação gradual e quase total no início do século XXI.
A desativação da Linha do Tua, em 1993, baseou-se predominantemente numa análise de custo direto de operação e manutenção, sem considerar o impacto macroeconómico e os benefícios indiretos que a sua existência gerava. Este é um erro comum que negligencia a vasta teia de interconexões que uma infraestrutura como uma linha férrea estabelece com o seu território.
O verdadeiro valor da Linha do Tua reside na sua capacidade de gerar externalidades positivas que superam largamente os custos. No contexto atual, e considerando as urgências da descarbonização e do desenvolvimento regional equilibrado, esta linha torna-se ainda mais crucial.
A reativação da Linha do Tua representaria um catalisador incomparável para o turismo sustentável no Nordeste Transmontano. Imagine: (1). Turismo de Natureza e Ecoturismo: o vale do Tua, classificado como Parque Natural Regional do Vale do Tua, é um tesouro natural. O comboio permitiria um acesso privilegiado a paisagens de tirar o fôlego, trilhos, praias fluviais e observação de fauna e flora, sem a pegada carbónica dos veículos individuais. As janelas do comboio tornar-se-iam molduras para um dos patrimónios naturais mais intocados de Portugal. (2). Turismo Cultural e Histórico: a linha conecta vilas e aldeias ricas em história, tradições e gastronomia. Mirandela, Bragança, Carrazeda de Ansiães, Vila Flor – cada paragem seria uma porta para experiências autênticas. O comboio poderia ser integrado em rotas turísticas que valorizem o património edificado, as festas populares e a produção local. (3). Acessibilidade e Inclusão: a linha facilitaria o acesso de turistas de todas as idades e condições, incluindo pessoas com mobilidade reduzida, às belezas da região. Isso não só democratiza o acesso ao lazer, como amplia o leque de potenciais visitantes, injetando mais receita na economia local. (4). Fomento da Economia Local: o aumento do fluxo turístico impulsionaria a hotelaria, a restauração, o comércio local e o artesanato. Pequenos produtores agrícolas e vitivinícolas encontrariam um novo canal para escoar os seus produtos, gerando riqueza e fixando populações. A criação de empregos diretos e indiretos seria uma consequência natural.
No contexto atual de emergência climática, a reativação da Linha do Tua é também uma medida de sustentabilidade: (1). Redução da Pegada Carbónica: o transporte ferroviário é significativamente mais eficiente em termos energéticos e menos poluente do que o rodoviário. Ao desviar tráfego da estrada para o comboio, contribui-se diretamente para a redução das emissões de gases com efeito de estufa. (2). Preservação da Paisagem: um comboio integrado na paisagem minimiza o impacto ambiental em comparação com a construção e manutenção de novas infraestruturas rodoviárias.
O mundo e a Europa mostram como a reativação e o investimento em linhas férreas desativadas ou subutilizadas têm-se revelado uma estratégia de sucesso para impulsionar o desenvolvimento regional, combater o despovoamento e promover a sustentabilidade ambiental.
Tomemos como exemplo a Alemanha, onde a densidade da rede ferroviária é impressionante e o investimento contínuo na modernização e eletrificação das linhas é uma prioridade. Cidades e vilas, mesmo as mais pequenas, estão interligadas por comboio, facilitando a mobilidade dos cidadãos e impulsionando o turismo interno. A reativação de linhas secundárias tem revitalizado regiões rurais, atraindo novos habitantes e investimentos.
No Reino Unido, a iniciativa “Restoring Your Railway” tem como objetivo reabrir linhas fechadas no âmbito dos cortes de Beeching, promovendo a conectividade e o crescimento económico em áreas remotas. A reabertura da linha de Ashington, por exemplo, é um claro exemplo do compromisso em inverter o declínio das infraestruturas ferroviárias.
Até mesmo em regiões com características geográficas desafiadoras, como os Alpes Suíços, as linhas de comboio são a espinha dorsal do transporte, não só para os locais, mas também para o turismo de montanha. A precisão e a eficiência dos comboios suíços são um modelo a seguir, mostrando que a complexidade do terreno não é um impedimento quando existe vontade política e investimento.
Fora da Europa, o Japão é um exemplo paradigmático da importância do transporte ferroviário. Com a sua rede de comboios de alta velocidade, os Shinkansen, o país demonstra como a eficiência e a pontualidade podem transformar a forma como as pessoas se deslocam, conectando centros urbanos e regiões rurais de forma harmoniosa.
Perante as próximas eleições autárquicas, é imperativo que os candidatos e as forças políticas olhem para a Linha do Tua não como um peso morto do passado, mas como uma oportunidade única para o futuro do Nordeste Transmontano. É o momento de assumir um compromisso claro e inequívoco com a sua reativação, integrando-a nos programas eleitorais e nas estratégias de desenvolvimento local. A mobilização da sociedade civil, das autarquias, das CIM´s e das associações locais é fundamental para pressionar.
É tempo de reverter a inércia e de dar à Linha do Tua o futuro que ela merece – um futuro onde o apito do comboio volte a ecoar pelo vale, sinalizando o renascimento de uma região e a esperança de um Portugal mais coeso e próspero. Que os votos nas urnas reflitam a vontade de ver o Tua em movimento novamente.
E termino com o último excerto da minha narrativa natalícia, porque, para mim, a Linha do Tua não é apenas tema de tertúlias natalícias ou retórica eleitoral. É uma Causa Regional que devia unir o território e estar no TOPO da agenda política de todos os candidatos de todos os municípios abrangidos! É uma dívida que o Poder Central tem com Trás-os-Montes!
“- Dr.a, está ouvir-nos?! Dr.a!
Levanto os olhos, e olho de forma longitudinal para aquela mesa ministerial onde dezenas e dezenas de ministros já se sentaram e centenas de promessas por cumprir desde do 25 de Abril devem ter sido proferidas…
–Desculpe, Dr.! Sim, estou a ouvir! Sim, peço desculpas, mas de facto momentaneamente o meu pensamento ausentou-se! Sabe porquê Sr. Ministro? O silêncio instalou-se em todos os presentes.
–Não, Sr.a Dr.a, mas pode compartilhar conosco!
–Sabe em que mês estamos! Dezembro, e falta uma semana para o Natal, certo?
–Certo! Respondeu de forma monocórdica.
–Todos aqui temos ou tivemos uma Mãe, certo? E continuei, é verdade que uma Mãe nunca mente certo?! Um dia num longínquo mês de dezembro, a minha saudosa Mãe disse-me que o Pai Natal não existia e que enquanto houvesse comboio haveria esperança para a nossa terra. E eu, na altura uma menina confinada nos Montes de Miguel Torga não acreditei na minha mãe! Nem que o Pai Natal não existia, nem que um dia deixaríamos de ter esperança, pois o comboio deixaria de passar e levar as alheiras para o Porto! Mas não é que é mesmo verdade! O Pai Natal não existe, apenas o Menino Jesus, para quem o credo cristão advoga e a esperança da nossa terra definha-se a cada ano que passa desde que o comboio deixou de passar em frente da casa dos meus pais!
–Sabe qual o nosso posicionamento no ranking ferroviário ao nível europeu? Sabe sim! Nem vale a pena aborrecê-lo com estes dados estatísticos! Sabe quanto população a região perdeu? Sabe sim, nem vale a pena aborrecê-lo com números!
-Sabe o quanto poderia impulsionar a economia regional se a Linha do Tua fosse efetivamente reativada, e o que isso poderia representar para o Comércio e para os agentes económicos de turísticos da região, com efeito, colaterais positivos? Isso tenho
a certeza que já não sabe! E estou em querer que também não querem saber!
–Mas Sr. Ministro não se preocupe não é só o Senhor, são todos e foram todos até ao dia de hoje! De que vale a pena a regionalização estar “proclamada” na Constituição da República Portuguesa se não passa de um “fait divers” para entreter as populações do Interior quando o momento político é oportuno e produzir centenas e centenas de relatório que ficam obsoletos antes de ser produzidos! Sim, porque a Era Industrial já foi, certo! Estamos na Era 4.0, na Era Digital! E a Constituição está por cumprir!
–Sr. Ministro se a minha mãe sábia e sensata estava certa em tudo, pensem que as borboletas continuam a voar para fora, e que efetivamente as nossas aldeias e vilas estão a ficar sós, tristes e as cidades desprovidas de serviços públicos!
–Sabem Sr.s, Ministros! Não é um Desígnio do território, é uma escolha de “Lisboa”, isto é do poder central! É Natal, vou voltar acreditar no Pai Natal, e acreditar que alguém um dia com um rasgo de coragem desembacie o vidro do Poder Central para
verem Portugal como um País por Inteiro!
Citando Simone Veil: “Os erros não se lamentam, assumem-se.” É tempo de o Poder Central reconhecer, com responsabilidade e honra, as falhas acumuladas. Mas esse momento só chegará quando o Poder Local, e as CIM em particulares, unidos e determinados, erguerem esta bandeira como prioridade incontornável e começarem a gritar, em uníssono, por justiça e por futuro!
Mirandela, 15 de Junho 2025
Cristina Passas