Hoje, 12 de agosto, Miguel Torga faria 118 anos. Ao lembrar o escritor nascido em São Martinho de Anta, não é só o homem e a obra que vêm à memória, mas também a paisagem que lhe deu voz: as terras de Trás-os-Montes, que ele eternizou como “o Reino Maravilhoso”.

Torga, cujo nome de batismo era Adolfo Correia da Rocha, não foi somente um escritor de renome nacional, foi um homem que escreveu com “a seiva da terra” e experienciou, de perto, o que nela se vive, quem nela vive, e o que ela oferece. Médico otorrinolaringologista de profissão, percorreu aldeias e serras e fez delas os “Contos da Montanha”, tendo sido sobretudo no papel que deixou o diagnóstico mais profundo: O do povo que, apesar das adversidades da vida, guardava uma dignidade indomável, que Torga fez questão de eternizar em obras. “O nome de Trasmontano, que quer dizer filho de Trás-os-Montes, pois assim se chama o Reino Maravilhoso de que vos falei”, descreve na sua obra.

Do Diário, essa longa e intensa radiografia do seu tempo e de si mesmo numa faceta mais intimista e reveladora, às 14 narrativas de Bichos, onde animais e humanos coabitam na mesma “Arca de Noé”, a terra, e se confundem numa lição de humanidade, passando por Novos Contos da Montanha onde retrata a dureza do mundo rural transmontano e, claro, O Reino Maravilhoso, em que a cultura da terra é vivida de corpo e alma. Miguel Torga construiu uma obra que é, ao mesmo tempo, mapa e memória, poesia e denúncia.

Mas hoje, perante o cenário atual, ao olharmos para o “Reino Maravilhoso”, não é difícil sentir que ele está abalado. As serras e os vales que Torga fez questão de retratar com admiração, têm sido devastados por incêndios que, ano após ano, roubam o verde à paisagem e a esperança às comunidades que habitam “Pra Cá do Marão”. É como se o fogo, metáfora da destruição e da indiferença, tentasse apagar não apenas árvores e casas, mas também o imaginário que o escritor nos legou.

No seu Diário de 1969, Torga escreveu “O universal é o local sem paredes.” Com uma visão universalista, ele sabia que para ser do mundo, é preciso pertencer primeiro a um lugar. A cultura, por sua vez, não nasce de um universalismo desligado das nossas origens, mas da capacidade de, partindo da nossa própria identidade, abrir-nos e alcançar o que está para além das fronteiras… Por isso, preservar as terras de Trás-os-Montes é também preservar a própria literatura portuguesa, porque cada página que ele escreveu nasceu enraizada neste solo.

Em São Martinho de Anta, o Espaço Miguel Torga mantém viva essa herança. Não é apenas um museu, é um ponto de luz cultural, uma porta aberta para revisitar manuscritos, cartas, fotografias e objetos pessoais do artista. É também um lugar onde se sente o pulso de uma obra que nunca deixou de interpelar o presente. No seu dia de aniversário, o espaço assinala a data com dois momentos especiais: Às 18h30, na casa do poeta, realiza-se um recital com João Lagarto, e, às 21h30, no exterior do Espaço Miguel Torga, acontece o concerto de Camané. Um legado cultural que permanece em constante desenvolvimento para não deixar cair em esquecimento quem nunca se esqueceu da terra transmontana.

118 anos depois do seu nascimento, Torga continua a ser um escritor curioso e necessário para se “ler com outros olhos” sobre as origens. O fogo que tem vindo a dominar o Reino Maravilhoso lá fora é um lembrete de que a luta pela dignidade da terra e do homem, a mesma que ele travou com palavras, ainda não terminou. E talvez o melhor tributo que possamos prestar-lhe seja não deixar que esse fogo, literal ou metafórico, apague a beleza e a liberdade que ele defendeu. “A terra é a própria generosidade ao natural. Como num paraíso, basta estender a mão”.

Artigo escrito por Vitória Botelho, Jornalista Canal N

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