Hoje trago um tema, pessoalmente diferente ao que nos temos vindo a habituar, mas de extrema importância, designadamente o Consumo Abusivo de Antibióticos.
O aparecimento dos antibióticos, já no início do século XX, representou um dos maiores avanços da medicina moderna. Doenças até então consideradas fatais, tornaram-se tratáveis e procedimentos médicos complexos tornaram-se mais seguros. Contudo, os consumos abusivos e indiscriminados de antibióticos criaram um novo e inquietante desafio: a resistência antimicrobiana. Este fenómeno ameaça reverter décadas de progresso e representa, hoje, uma das mais graves questões de saúde pública a nível mundial.
Começando pelo conceito, os antibióticos são substâncias químicas capazes de matar ou inibir o crescimento de bactérias, sem afetar, de forma significativa, as células do hospedeiro humano. Desde a descoberta da penicilina por Fleming, já no ano 1928, uma vasta gama de antibióticos foi desenvolvida, tornando-se essenciais no combate a infeções bacterianas.
O termo “consumo abusivo” refere-se ao uso excessivo, inadequado ou desnecessário de antibióticos. Isto engloba diversas práticas, tais como:
• Utilização de antibióticos para tratar infeções virais (vírus) como gripe ou constipações, contra as quais estes medicamentos são ineficazes.
• Interrupção precoce do tratamento, sem completar o período recomendado pelo profissional de saúde.
• Automedicação, sem prescrição médica.
• Utilização de antibióticos de amplo espectro quando um antibiótico mais específico seria suficiente.
• Administração incorreta, com incumprimento das doses e horários.
Esta realidade é agravada pela facilidade de acesso a antibióticos sem receita médica, sobretudo em alguns países, bem como pela pressão populacional sobre os profissionais de saúde para que prescrevam estes medicamentos mesmo quando não são necessários.
Estas condutas estão associadas a aliteracia em saúde, pela desinformação da diferença entre vírus, fungos e bactérias, acreditando que os antibióticos são úteis para qualquer tipo de infeção. Esta perceção errada leva à procura destes medicamentos em situações onde os mesmos não estão indicados. Pode estar vinculada à própria pressão social e expectativas dos pacientes, em que seja expectável que numa consulta médica resulte sempre uma prescrição, constituindo um indicador de satisfação do cliente portador de doença. Adicionalmente, por vezes, profissionais de saúde cedem à pressão dos utentes ou recorrem à prescrição preventiva de antibióticos diante de incertezas diagnósticas, para evitar possíveis complicações, sobretudo em crianças e idosos.
O principal risco associado ao consumo abusivo de antibióticos é o desenvolvimento de resistência bacteriana. Quando expostas a antibióticos de forma recorrente ou inadequada, algumas bactérias sobrevivem e adaptam-se, tornando-se resistentes. Estas bactérias resistentes multiplicam-se e disseminam-se, resultando em infeções de difícil tratamento. A resistência antimicrobiana leva ao aumento da mortalidade e morbilidade associada a infeções comuns. Procedimentos como cirurgias, quimioterapia e transplantes tornam-se mais arriscados perante a ameaça de infeções resistentes. O tempo de internamento hospitalar prolonga-se, e os custos associados aos cuidados de saúde aumentam exponencialmente.
Se a tendência atual persistir, é possível que muitos antibióticos atualmente eficazes deixem de ser úteis, obrigando ao constante desenvolvimento de novos medicamentos, o que nem sempre é viável ou economicamente sustentável. O aumento da resistência antimicrobiana acarreta custos elevados para os sistemas de saúde e para a sociedade, devido ao prolongamento de tratamentos, necessidade de isolamento hospitalar e uso de medicamentos mais caros.
Posso afirmar que o consumo abusivo de antibióticos constitui uma ameaça silenciosa, mas fulminante à saúde global. A responsabilidade de travar esta tendência cabe a todos: profissionais de saúde, autoridades, indústria e população em geral. Só através de uma ação concertada e global será possível preservar a eficácia destes medicamentos essenciais e garantir que continuem a salvar vidas nas gerações vindouras.
A luta contra a resistência antimicrobiana é, antes de tudo, uma questão de consciência e compromisso coletivo. O futuro da medicina depende da nossa capacidade de usar os antibióticos com responsabilidade, respeito e parcimónia.
Artigo escrito por Sofia Bernardino (Enfermeira na ULSTMAD e Membro da APSAT (Associação de Profissionais de Saúde do Alto Tâmega)