O outono marca, em Trás-os-Montes, uma das fases mais importantes do calendário agrícola. É a época das colheitas, do vinho novo e das castanhas, o fruto que, durante séculos, foi alimento de subsistência para as famílias e ajudou a moldar a paisagem e a economia da região. Em Prosa, na obra “O Reino Maravilhoso” (1941), Miguel torga descreveu-a como “Mas o fruto dos frutos, o único que ao mesmo tempo alimenta e simboliza, cai de umas árvores altas, imensas, centenárias, que, puras como vestais, parecem encarnar a virgindade da própria paisagem. Só em Novembro as agita a inquietação funda, dolorosa, que as faz lançar ao chão lágrimas que são ouriços. Abrindo-as, essas lágrimas eriçadas de espinhos deixam ver numa cama fofa a maravilha singular de que falo, tão desafectada que até no nome é doce e modesta – a castanha. Assada, no S. Martinho, serve de lastro à prova do vinho novo. Cozida, no Janeiro glacial, aquece as mãos e a boca dos pobres e ricos. Crua, engorda os porcos, com a vossa licença…”.

Historicamente, a castanha foi um alimento essencial para muitas comunidades rurais, especialmente em tempos de escassez. Conhecida como o “pão dos pobres”, servia de base à alimentação quando faltavam o pão ou a batata, garantindo sustento em períodos difíceis no interior-norte português. Nos tempos que correm, deixou de ser um produto de subsistência e passou a ser valorizada sobretudo pelo seu sabor, pelas tradições associadas e pelas suas qualidades nutritivas, afirmando-se como um símbolo do outono e da identidade transmontana.

O castanheiro é presença antiga nestas terras. O termo é conhecido em Portugal há mais de mil anos, tendo sido registado pela primeira vez num documento datado de 960 d.C. De acordo com o livro “Na Rota da Castanha em Trás-os-Montes”, a presença desta árvore no território português remonta a cerca de oito mil anos atrás na Serra da Estrela, muito antes da chegada dos Romanos, que a descreveram posteriormente como uma espécie semelhante à bolota.

O cultivo sistemático da castanha implementou-se precisamente na época romana. O fruto adaptou-se ao clima e ao terreno montanhoso, tornando-se parte essencial do modo de vida transmontano, até aos dias de hoje. É atualmente um produto valorizado, exportado e reconhecido pela sua qualidade, em especial na zona de Trás-os-Montes, a principal região produtora e exportadora, com mais de 80% da percentagem a nível nacional, destacando-se particularmente em concelhos dos distritos de Bragança e Vila Real, como Alfândega da Fé, Bragança, Chaves, Macedo de Cavaleiros, Mirandela, Valpaços, Vimioso, Vinhais… A gastronomia transmontana nestes concelhos acompanha este ciclo com pratos confeccionados que aproveitam o que a estação dá.

Mas o outono não se resume à produção. É também tempo de celebração. Em quase todos os cantos transmontanos se faz o magusto, uma tradição comunitária que reúne as “gentes” da terra, celebrando o que de melhor ela oferece. Assam-se castanhas, prova-se o vinho novo e renova-se o sentido de pertença. Mais do que um costume, o magusto é um símbolo de identidade e continuidade, uma passagem de testemunho que sobrevive à modernidade. Num tempo em que tanto se fala de globalização e rapidez, vale a pena parar e viver o simples.

É cada vez mais necessário reconhecer o valor económico e cultural destas tradições. O setor da castanha, por exemplo, representa milhões de euros anuais em exportações e garante rendimento a muitas famílias. Contudo, enfrenta desafios como o despovoamento, o envelhecimento da população rural e os problemas que afetam os soutos. Preservar este património exige políticas de apoio, mas também uma atitude coletiva de valorização do que é nosso.

O outono em Trás-os-Montes é, por isso, muito mais do que uma estação do ano. É o reflexo de uma relação antiga entre as pessoas e a terra. Uma época em que o trabalho do ano se transforma em alimento, em confraternização e em memória. Num tempo de mudanças rápidas, continua a lembrar-nos que o essencial nasce devagar, com raízes fundas, como as do castanheiro.

Artigo escrito por Vitória Botelho

Banner Elisabete Fiseoterapia
banner canal n
Dizeres Populares BATATAS TAO ESTALADICAS Mirandela Braganca 730x90px
Design sem nome (5)
Dizeres Populares TASTY ARREGUILAR OS OLHOS Mirandela Braganca 730x90px
Dizeres Populares BIG MAC VAI NUM AI Mirandela Braganca 730x90px
IMG_9798
Alheiras Angelina
Artigo anteriorOBRAS AVANÇAM NO NOVO CENTRO TECNOLÓGICO DE ENOGASTRONOMIA DA ESPRODOURO
Próximo artigoASSINALA-SE HOJE O DIA MUNDIAL DA SAÚDE MENTAL