Desviando-me um pouco do que aconselha Enrique Rojas, “Numa tarde de chuva mergulhe num bom livro e deixe-se levar”, aproveitando a tarde chuvosa que, felizmente, hoje se faz sentir, depois de um período de tempo quente e de seca evidente, decidi escrever sobre isso mesmo, a chuva.
Acredito que a maior parte das pessoas conhecerão o ditado popular: “Sol na eira e chuva no nabal”.
Evidentemente que, sobretudo para os lavradores, não obstante as eiras, lugares onde realizavam determinantes fainas agrícolas, já não constituírem a importância de outrora, a possibilidade de terem, em simultâneo, sol na eira e chuva no nabal, na época de verão, das ceifas, das debulhas e das colheitas, seria o ideal. Porém, existe a consciência de que é impossível controlar (modernamente dito, monitorizar), o tempo, meteorologicamente falando, em coordenação com o desejo, a necessidade, os espaços e o momento.
Encarando a vida com inteligência e sabedoria, todos nós entendemos que esta expressão popular tem outros significados e outro alcance, que não se prendem com interesses agrícolas, mas sim, com posturas e atitudes comportamentais tão interesseiras quanto ambíguas, diria mesmo, egoístas, revelando também, de algum modo, falta de espírito solidário.
Vem isto a propósito da forma como uma boa parte dos cidadãos das grandes metrópoles, e não só, alguns instruídos e até comentadores conhecidos, se referem ao tempo meteorológico quando se prevê que a chuva aconteça.
Ainda recentemente, no decorrer do seu comentário semanal na TV, vi e ouvi um distinto professor salientar que o tempo não iria estar bom no dia seguinte, porque se previa chuva, argumentando, principalmente, que não estaria bom para se usufruir da praia. Pronunciava-se como se o desfrutar desses espaços lúdicos do litoral fosse determinante para a saúde, economia, subsistência e bem-estar do país em geral.
O que me entristece não é, só por si, esta “tirada”, ou este pensamento. Entristecem-me, também, no contexto meteorológico, as mentalidades e formas de estar e ser de um conjunto significativo de pessoas, que desenvolvem as suas atividades e objetivos de vida nos grandes centros urbanos, sobretudo no litoral, acusando défices de solidariedade ao nível da preocupação ecológica e da sobrevivência na terra. Nestes contextos sociais urbanos, com relativa falta de ar puro, de ausência de cultura rural e até mental, desenvolve-se, muitas vezes, de forma inconsciente, certamente, o momentâneo interesse local e de bem-estar individual, resultante dos fenómenos meteorológicos, mais do que a valorização dos efeitos benéficos e insubstituíveis da chuva, ou seja, da água.
Sem dúvida que a chuva é incomodativa, contudo, muito mais importante do que os incómodos que a mesma provoca, é insubstituível a capacidade produtiva e reprodutiva, potenciada pela irrigação dos campos, não esquecendo que a escassez de água tem efeitos negativos em todos os aspetos da sobrevivência no nosso quotidiano.
Na verdade, fico algo dececionado e constrangido quando constato a falta de consciência ecológica e solidariedade ambiental, de visão do mundo global em gentes do litoral, principalmente quando essa evidência emerge de pessoas com grande responsabilidade social e inegável formação académica e cultural.
Se no cidadão comum, anónimo, a falta de clarividência de pensamento, no âmbito dos confortáveis interesses pessoais, resultantes da meteorologia, neste caso da chuva, que faz falta aos campos, às culturas, animais e ao próprio abastecimento da rede pública, me faz confusão, não é menos verdade que não me agrada constatar que “eruditos”, usando o seu “púlpito” mediático, pronunciem, neste domínio, mesmo que de forma negligente, um discurso relativamente egoísta, porventura algo narcisista, acusando, de certo modo,
falta de respeito pelos agricultores, nesta altura, ávidos de chuva que restitua à terra a humidade de que necessita e que a vegetação deseja. E, se pensarmos um pouco, não será difícil constatar, nesta altura, a importância da chuva, principalmente se for bem “caída” no que toca ao rejuvenescimento dos castanheiros e das oliveiras, de modo a que as respetivas colheitas, sejam produtivas e qualidade. Afinal, uma boa parte da produção agrícola nacional, fonte de riqueza, concentra-se na produção de castanha e azeite, ambos de qualidade.
Bem do interior nordestino, aqui fica o meu desejo, bem-vinda a chuvinha bem caidinha!…
Artigo escrito por Nuno Pires













