Apesar de o Agrupamento de Escolas de Mirandela (AEM) estar incluído na rede de escolas de referência criada pelo Estado para a inclusão de alunos cegos e com baixa visão, três semanas depois do início do ano letivo, a escola básica “Luciano Cordeiro” continua sem docente especializado em braille, uma das condições previstas para oferecer uma resposta educativa de qualidade a estes alunos.

A professora que estava destacada está de baixa e a sua substituição ainda não foi concretizada. Esta situação está a provocar uma enorme desilusão em Matilde Sampaio, aluna invisual que frequenta o sexto ano na escola Luciano Cordeiro. 

“Não me sinto muito bem nas aulas, porque não tenho os recursos que preciso para estudar e vou ter uma prova, esta semana, mas não tenho ninguém que me passe o documento para braille e assim ninguém pode corrigir a prova”, lamenta a aluna de 11 anos de idade.

“Tenho de fazer na máquina de braille e não no computador, porque é uma espécie de um código morse e ninguém sabe disso a não ser uma pessoa especializada em braille”, conta Matilde, confessando que não têm sido nada fáceis as primeiras três semanas de aulas. “O problema é que estou a fazer as duas funções. Sou a professora de braille e aluna ao mesmo tempo, mas tenho muita carga em cima de mim e às vezes não consigo fazer tudo porque são rios de matéria, acrescenta a mirandelense que nasceu com glaucoma (doenças do olho que danificam o nervo ótico, responsável pela transmissão da informação do olho até ao cérebro) e tem a córnea opaca. Já fez uma reconstrução ocular e três transplantes, mas todos foram rejeitados. Tem 95% de incapacidade.

Apesar de todas estas limitações, Matilde tem sido sempre uma aluna de mérito com notas elevadas e agora, esta situação está a deixar a mãe extremamente preocupada e apreensiva com as consequências que esta falta de professor de braille pode causar na sua filha. “Ela vai ter prova e não tem um manual para poder estudar, não tem professor de braille, não tem quem lhe explique e assim não sei o que está a fazer numa sala de aula”, lamenta Patrícia Costa.

A mãe de Matilde confessa que é “doloroso” sentir que a sua filha está a ficar para trás. “Ela é muito ambiciosa, é uma aluna de mérito, quer sempre aprender mais, é muito ambiciosa, mas neste momento não sente forças para conseguir fazer o que quer que seja porque ninguém lhe explica as coisas em braille”, adianta.

Patrícia revela que a direção do AEM também está “preocupada” com o caso, mas entende que “alguém tem de assumir as responsabilidades desta lacuna, porque a minha filha está a perder o ensino quando esta é uma escola de referência e por isso tem de lhe dar todas as condições e neste momento quem está a falhar não é a Matilde, mas são eles perante a Matilde”, afirma.

A aluna de 11 anos deixa um último apelo: “Pedia que tivesse professor de braille e também para os meninos que têm o mesmo problema que eu para não acontecer a mesma coisa porque sei o que eles podem vir a passar, porque agora estou a passar por isso”.

CONCURSO SEM CANDIDATOS

Confrontado com este caso, o diretor do AEM confirma que a Luciano Cordeiro sendo uma escola de referência nesta matéria, “é possível ter um professor do quadro especializado em braille”, refere Carlos Alberto Lopes, mas o problema é que a professora em causa está de baixa e todo o processo para encontrar um substituto obedece a regras emanadas pela tutela. “Encontra-se ausente, tendo o agrupamento procedido à sua substituição nas diversas reservas, mas até ao momento não há candidatos”, acrescenta.

REDE DE ESCOLAS DE REFERÊNCIA

Foi criada uma rede de escolas de referência para a inclusão de alunos cegos e com baixa visão, com vista a concentrar meios humanos e materiais que possam oferecer uma resposta educativa de qualidade a estes alunos.

Os objetivos destas unidades passam por assegurar a observação e avaliação visual e funcional, o ensino e a aprendizagem da leitura e escrita do Braille bem como das suas diversas grafias e domínios de aplicação.

E ainda assegurar a utilização de meios informáticos específicos (linhas Braille, impressoras Braille, etc) e o treino visual específico, sem esquecer a orientação dos alunos nas disciplinas em que as limitações visuais ocasionem dificuldades particulares (educação visual, educação física, etc). Está ainda previsto o acompanhamento psicológico e a orientação vocacional.

Jornalista: Fernando Pires 

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