Artigo de opinião de Lídia Praça – Jurista e Vice-Presidente UHE Portugal

O abril dos cravos e da liberdade chegou e já ameaça trazer com ele, além da previsível chuva, também vários erros e muitas ambiguidades. Resta saber se será em porção avultada e se cumprirá o provérbio que diz, em abril águas mil.

Esta semana o Presidente da República promulgou três diplomas aprovados pelo Parlamento, que garantem medidas de apoio social urgentes no âmbito da pandemia, decisão que correspondeu à votação da maioria dos partidos, de esquerda, direita e centro-direita, com voto contrário apenas do Partido Socialista. O Governo reagiu de imediato a esta decisão do Chefe de Estado, alegando que a promulgação dos diplomas viola a chamada lei-travão, inscrita no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição, que proíbe os deputados de apresentarem iniciativas “que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento”.

Cedo, pois, à tentação de uma breve reflexão:

– As medidas em causam aumentam a despesa? – Aumentam.

– Os diplomas promulgados são inconstitucionais? – São.

– Não podiam ter sido promulgados, face ao quadro legal e constitucional? – Não.

– E havia o dever de os promulgar, face à difícil situação dos portugueses? – Sim.

Ora, aqui chegados e em presença das respostas enunciadas parece-me inevitável que abril abra à discussão a questão da Lei Fundamental do Estado e se há ou não razões para proceder ao seu eventual aperfeiçoamento. Diz Marcelo que a adoção das medidas sociais aprovadas corresponde, em diversas matérias, na substância e na urgência, à necessidade da situação vivida. Sendo certo que cobertas, em parte, por legislação do Governo. Em parte, note-se. Com efeito, o Presidente da República e reputado constitucionalista, em face da necessidade e urgência de socorrer os portugueses que enfrentam hoje a tragédia, a ruína e a fome, menoriza o juízo de inconstitucionalidade, dando clara vantagem às várias justificações substanciais que legitimam a sua decisão.

Apesar de entender que os diplomas promulgados ferem o quadro constitucional e apesar do Governo já ter anunciado que vai suscitar a fiscalização sucessiva da constitucionalidade dos diplomas, não creio que este seja o caminho certo e seguro para o Executivo. Por um lado, o Governo não pode deixar de cumprir uma lei da Assembleia da República enquanto esta vigorar, mesmo que a entenda inconstitucional e só o Tribunal Constitucional pode declarar, com força obrigatória geral, a sua inconstitucionalidade, sendo previsível que isso possa levar meses. Por outro lado, o Governo não dispõe de maioria parlamentar absoluta e o tempo que se vive aconselha prudência e visão na antecipação e deteção de sinais de conflitualidade e afrontamentos sociais.

Porventura num quadro de bom juízo governativo e de diálogo, um Executivo precavido teria previsto não apenas a urgência, mas também a imprescindibilidade de medidas como estas ou análogas a estas, para atender às necessidades primárias e elementares dos portugueses mais fragilizados e impiedosamente expostos aos efeitos devastadores desta pandemia.

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