Artigo de Opinião de José Martinho – Tradutor oficial, Deputado Municipal em Lausanne (Suíça)

O 25 de Abril não está em perigo. Em perigo está a saúde pública e a vida das pessoas

Acabo de assinar a petição que pede o cancelamento das comemorações do 25 de Abril na Assembleia da República: https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT98650

Não o fiz como forma de represália por não me terem deixado passar a Páscoa com a minha família. A viver na Suíça há quase 30 anos, já foram muitas as Páscoas que passei longe do(a)s que amo. E também não o fiz por não me terem deixado beijar a cruz durante o compasso pascal (em Trás-os-Montes diz-se visita pascal). Enquanto católico, beijo a cruz quando me apetece na intimidade da minha casa. Nem o fiz por ser daqueles que, como diz um amigo meu e o qual estimo muito, quando os meus pais não me deixavam ir brincar, eu não emprestava a bola a mais ninguém. Ah, e para que não comecem já a fazer juízos de valor, declaro que não sou contra o 25 de Abril, sou contra as comemorações da data sob esta forma. Aliás, foi o 25 de Abril que me permitiu estar aqui hoje a exprimir a minha opinião.

Ao assinar esta petição, fi-lo por uma questão de coerência. Por várias ordens de razão. Desde logo, porque não se compreende que seja a casa da democracia a violar levianamente decretos presidenciais, e a quebrar regras impostas por quem, para bem de todos, as impôs, e tem igualmente obrigação de as cumprir. Fala-se na presença de 130 convidados, o que por si só já seria uma aberração. Mas quem como eu ja teve a oportunidade e o privilégio de frequentar a Assembleia da República (e outros parlamentos), e assistir a este tipo de cerimónias, sabe que serão muitas mais as pessoas envolvidas. Haverá jornalistas, funcionários parlamentares, assessores… Por exemplo, cada um dos membros do Governo presentes levará consigo um motorista e pelo menos um segurança. Lembram-se que o vírus não se desloca sozinho, nós é que nos movimentamos ?…

Depois, porque uma grande parte dos convidados (senão a maior parte), pertencerão a um dos principais grupos de risco. Será sensato expô-los, não só a eles, mas também às suas famílias que se encontram em casa a cumprir escrupulosamente as recomendações de confinamento, a este tipo de procedimentos no mínimo imprudentes ?

O 25 de Abril é uma data histórica e marcante da nossa democracia que deve, de facto, ser celebrada oficialmente. Mas em período de pandemia mundial, não bastaria uma mensagem do Presidente da República ao país ? Na Alemanha, por exemplo, foram este domingo canceladas as cerimónias presenciais dos 75 anos da libertação dos campos de concentração de Sachsenhausen, Ravensbrück y Bergen-Belsen, tendo a efeméride sido recordada mas de forma virtual.

O poder político tem que ter um discurso coerente quanto à necessidade de manter um confinamento e um distanciamento social adequados. Caso contrário arriscamo-nos a deitar tudo a perder. Deixar de celebrar o 25 de Abril com pompa e circunstância em 2020, não é de todo dramático. Dramático é ter e ver amigos, cujos familiares em Portugal não resistiram à doença, não poderem sequer deslocar-se para uma última homenagem por falta de um avião que os transporte ! Dramático é ver profissionais de saúde exaustos, por vezes impotentes, muitos deles privados de ver e estar com as suas famílias há largas semanas, num constante corrupio nas unidades de cuidados intensivos a tentar salvar vidas ! O 25 de Abril não está em perigo. Nos anos vindouros, se os homens quiserem e Deus o permitir, havemos de ver a Assembleia da República engalanada a comemorar a data. Em perigo está a saúde pública e a vida das pessoas.

E por favor, não queiram fazer desta questão uma quezília política ou uma clivagem partidária. Nem a esquerda é dona do 25 de Abril, nem a direita democrática deixou alguma vez de o celebrar.

 

 

 

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