Por José Martinho – Emigrante, Tradutor oficial, Deputado Municipal em Lausanne (Suíça)

A atualidade nacional e internacional obriga-me a que escreva também eu acerca desta crise sanitária que assola neste momento o nosso planeta, naquela que é a minha estreia neste espaço de opinião. Faço-o sobretudo como português a viver no estrangeiro, que se sente triste e de certa forma algo traído pelo seu país, ao ler certas coisas nas redes sociais e mesmo em meios de comunicação idóneos, para os quais os emigrantes acarretam a responsabilidade da situação quanto à propagação do novo Coronavírus em Portugal.

É verdade que nos últimos dias são muitas as pessoas que me contactam com a intenção de viajar para Portugal, a quem tenho tentado explicar a atual situação e às quais sugiro sempre que consultem os sites da nossa rede Consular ou do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Para além de as tentar demover da sua ideia, a todas tenho alertado para o facto de que é absolutamente necessário respeitar as regras em vigor para combater a pandemia do COVID-19 ao chegar a Portugal. Entre elas, está a obrigatoriedade de cumprir uma quarentena de pelo menos 14 dias. Compreende-se a vontade de regressar ao país, sobretudo por parte de portugueses que residem no estrangeiro há pouco tempo, e que procuram na sua terra a sua zona de conforto para atravessar este momento difícil, sobretudo em época pascal. No entanto, convém respeitar as regras em vigor para combater o COVID-19 ao chegar a Portugal, e a viagem de regresso deve ser devidamente preparada, pois a passagem de fronteiras obedece agora a um conjunto de requisitos.

Entretanto, os suportes de difusão de informação (rádio, televisões, imprensa, internet) têm feito dos emigrantes o bode espiatório para o exponencial agravamento da pandemia em Portugal. Ora vamos lá pôr os pontos nos “i”: não, não eram emigrantes aquelas e aqueles que encheram as praias do Tamariz, do Guincho ou de Carcavelos, no preciso dia em que foi declarada pandemia devido ao Coronavírus. Não, não foi um emigrante que foi apanhado a jogar às cartas com clientes num bar da Feira. Foi a patroa ! Não, não era emigrante o casal de Lisboa que, não tendo ainda recebido os resultados do teste, viajou num autocarro rumo a Portimão ! Não, não foi um emigrante que foi a Espanha e quando regressou a Nelas, furando a quarentena, se reuniu com Bombeiros, Proteção Civil, etc. Foi o Senhor. Presidente da Câmara ! Não, não tinha chapa de matrícula estrangeira a viatura da qual saíu a condutora que arrastou as barreiras para poder passar numa área restrita em Melgaço ! Não, não foi um emigrante que foi apanhado em Corroios, numa alta comezaina com mais 7 amigos num restaurante. Foi o Senhor. Presidente da Junta de Freguesia ! Para já não falar das centenas de portugueses que labutam na vizinha Espanha, e que todos os dias regressam a suas casas em Portugal.

Tenhamos, pois, algum recato e contenção nas análises que fazemos. Este é um desafio de todos. Respeitemo-nos uns aos outros, só assim teremos a capacidade de dar uma resposta em comum a este tsunami sanitário. Só venceremos esta batalha, porque é de uma verdadeira batalha que se trata, com solidariedade e determinação. Recordo aqui as palavras do Papa Francisco, numa Praça de S. Pedro deserta, mas tão cheia de emoção e intensidade: “Nesta noite que cai há semanas e que nos apanhou desprevenidos, estamos frágeis e desorientados, mas somos chamados a remar juntos, todos no mesmo barco. Ninguém se salva sozinho”.

Estou absolutamente convencido que ultrapassaremos este momento difícil. Mas para isso temos que ser melhores seres humanos, menos egoístas, mais solidários.

Post scriptum

À hora que termino de escrever estas linhas, tomo conhecimento que a Senhora Provedora de Justiça exigiu a suspensão das medidas de isolamento profilático impostas pelas autoridades locais de saúde, nomeadamente do Algarve e do Nordeste Transmontano. Decisão esta que foi de imediato acatada pela Senhora Diretora Geral da Saúde (a qual, no meu entender, deveria já ter sido demitida do cargo por manifesta incompetência). Trata-se de uma decisão completamente irresponsável, que não acautela os interesses dos residentes, e que pode provocar um aumento exponencial da contaminação em regiões que aparentemente estão sob contolo. Tiques de autoridade !…

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