Artigo escrito por Miguel Gomes – escritor

Quando há alguns anos, após anúncio de cortes nas reformas, vi numa reportagem de um canal de televisão uma repórter perguntar a uma senhora, numa qualquer aldeia do interior, se não a preocupava os anunciados cortes, não esperava o verdadeiro sentimento de interioridade. A menina do microfone perguntava com insistência se não amedrontava a senhora, de negro carregado, lenço debruado a prender o cabelo, duas madeixas alvas a espreitar o dia sobre a testa, o tão aclamado corte na pensão. E a senhora, de uma compleição nobre, como só o consegue o verdadeiro pobre, respondia com educado sorriso a cada investida jornalística. Foi no meio da enésima insistência que, finalmente, despindo a vestimenta a que doutos engravatados teimam em fazer vestir a ignorância, s senhora reformada de uma vida de labuta agrícola, vivendo uma longevidade pautada pelo pão nosso de cada dia, respondeu num tom educadamente irado:

– Oh menina, eu temo é que me venham cortar as couves que boto no caldo. Quero lá saber desses que governam.

E na pausa infinitesimal que pairou na matutina interjeição da repórter, sem o suporte auricular com que as vozes escondidas, sempre elas, ditavam perguntas e respostas ainda antes de serem respondidas, a voz ficou sem resposta porque o silêncio falou sempre mais alto que a ignobilidade. Voltando costas à reportagem, ainda escapou à granítica voz de torrão negro eriçado numa tarde de lavoura, regado com suor, sem qualquer dor.

– A avareza pensa sempre que o que temos é a pobreza.

Não há alicerces para quem pensa que volvidos uns erários, podemos viver como se nos envolvessem sudários. Quem no interior se arreiga, sabe que a vida é mais do que a veiga. Solte-se ou não a intempérie, alvitre-se ainda a sentença de uma estrada recortada nas encostas dos montes e para lá destes, nas prateleiras da cozinha esculpidas em paredes de granito ornamentadas por embalagens de medicamentos cujos laboratórios lucram na falta de saúde, celebra-se sempre a existência divina ao toque de um alaúde. Ou de um trautear silencioso, em volta das leiras, no final da tarde aquecida pelas lareiras.

Sem saberem que estas gentes comem o pão apenas amassado por elas e entram na noite à toada de velas, bruxuleando, navegando a vontade de Deus, fazendo de desconhecidos amigos seus, enquanto num braçado levam metade da vida e, à cabeça, uma rodilha onde assenta um mundo de memórias.

Mas esses fracos não conhecem estas histórias.

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