Artigo escrito por Miguel Gomes – Escritor

Não é necessário transpor montanhas para nos encontrarmos por trás dos montes. A cada passada podemos galgar socalcos que, mesmo atrás de uma curva que o destino colocou no caminho, nos transportam para lá daquilo que pensamos já não encontrar. Como um casal de velhotes, à sombra tórrida de um coberto de zinco, mão na mão, a namorar.

A tarde abrasadora chama incendiário ao Verão, no eucaliptal duvidoso a certeza de um madraço de isqueiro na mão. O fumo negro traz tonalidades de Inverno, caem folhas queimadas, secas, quebradas, negras. A comunicação social não é por aqui bajulada. Toca música clássica.

– Olhe, eu nem tocar castanholas! Mas que a música é bonita, lá isso é! – diz-me o velhote, enquanto abana a perna cruzada sobre o joelho e a esposa, sorridente – Não chateies os senhores que vieram trabalhar. – repreende-o, piscando-me um olho que brilha do fundo de uma órbita bastante enrugada. Talvez tenham sido as rugas que me cativaram, uma maré dérmica em que cada onda é uma vaga e cada vaga tem uma história que não me serviria uma vida para contar. Nem uma tarde para admirar.

Tínhamos descarregado e desembalado as peças que irão dar à luz um roupeiro. Andando dentro e fora da pequena casa, vendo ao longe o fumo negro clarear, limpo o suor às mangas da t-shirt, carrego uma ou outra peça ou caixa de parafusos ou o que quer que o meu pai me peça. Quando nada me pede saio na mesmo no pretexto de levar para a carrinha o plástico aderente que protegeu as portas, é apenas forma de admirar, quando subo os degraus de cimento sarapintados com lajes de mármore, aquele casal. Um par de cadeiras de praia muito gastas, o olhar no horizonte, a mão sobre a mão, os cabelos alvos dela sobre o ombro dele. Há uma ternura indelével e quase invisível quando uma alma ocupa dois corpos.

Terminámos. Perguntámos se queriam ver como ficara o roupeiro, enquanto explicávamos a necessidade de o calçarmos com umas cunhas de madeira, porque o chão, também de madeira, já cedia nalguns locais, mas eles sorriram e disseram que não, de certeza estaria muito bem porque tínhamos cara de pessoas sérias e que se não fossem os filhos a insistir, a (pouca) roupa delas ficaria pendurada em cada uma das duas cadeiras que ladeavam a cama. De quantas divisões precisa uma casa, para que as pessoas vivam unidas?

– Vocês desculpem, a trabalharem e nós aqui a ver, nem uma cerveja tenho, quer água? – desculpa-se o homem – O pagar é com o meu filho, sabem? – Sorrio e despedimo-nos com um aperto de mão.

– E quanto ao chão estar torto, sabe, não vale a pena arranjar. Eu sou leve e o nosso caminhar deve terminar em breve.

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