Está impedida de avançar a construção do parque eólico da serra de Santa Comba, no concelho de Mirandela, pelo menos até que seja conhecida a decisão do tribunal sobre a ação administrativa que o Ministério Público acaba de interpor contra a câmara de Mirandela para impugnar o licenciamento concedido a um operador para a instalação de seis aerogeradores na serra portuguesa com maior concentração de pintura rupestre.

A ação judicial instaurada, no dia 14 de abril, alega incompatibilidades com as regras do PDM e pela existência, no local, de sítios arqueológicos de interesse público, em vias de classificação, pode ler-se no site oficial do Ministério Público.

A ação tem efeitos suspensivos, pelo que até haver uma decisão judicial, a obra não pode avançar, colocando em causa um investimento privado na ordem dos 30 milhões de euros.

O caso é confirmado pela presidente da câmara de Mirandela. Júlia Rodrigues disse estar de consciência tranquila alegando que o executivo “limitou-se a cumprir as regras legais” ao conceder licença de construção ao operador “que apresentou todos os pareceres exigidos pelas entidades estatais nestes processos”, sublinhou.

No entanto, a autarquia tem em mãos o pedido de prorrogação do licenciamento por parte do operador que caduca no final do ano. “O facto de estarem em vias de classificação mais zonas, pode levar a uma interpretação diferente e pode ficar suspenso o licenciamento”, admite.

A comunidade científica que, há cerca de um ano a esta parte tem vindo a público contestar o projeto e pedir a suspensão da instalação dos aerogeradores, não esconde a satisfação com esta novidade. “Independentemente do desfecho, denuncia o que desde logo apontamos como aspecos turvos no longo historial do processo de autorização e licenciamento do parque eólico”, adianta a arqueóloga Joana Teixeira, que integra oo movimento “Juntos pela Serra de Passos sem Ventoinhas”.

Outras das críticas apontadas tem a ver com o Estudo de Impacte Ambiental. “Está obsoleto, por refletir o que tinha sido descoberto até 2014, não incluindo as novas pinturas rupestres descobertas nos últimos 9 anos”, adianta.

Operador ameaça com pedido de indemnização

Já o operador que até já tinha avançado com os estaleiros para inIciar a obra, diz estar farto de tantos avanços e recuos neste processo que já leva 15 anos.

A empresa P4, foi notificada da ação do Ministério Público contra o Município de Mirandela, na qualidade de co-interessada e vai prestar esclarecimentos. “Estamos a ficar fartos desta situação, porque andamos nesta vida desde 2008. Isto cansa, porque amanhã aparece uma minhoca qualquer e vai ser do Paleolítico”, ironiza o presidente da administração.

Ainda assim, Vieira de Castro explica que a ação não tem efeitos práticos imediatos porque só estava previsto arrancar com a obra em Setembro, por se estar num período de proteção do lobo Ibérico. No entanto, confirma que já tinham avançado com alguns trabalhos prévios que agora ficam suspensos. “Até agora não tínhamos impedimentos nenhuns, tínhamos licença e adiantamos alguma coisa como a linha elétrica que tem de ser feita antes, tal como a negociação com os proprietários dos terrenos e indemnizações e tudo isso já foi feito. Agora temos de parar”, lamenta.

O operador aguarda por uma decisão favorável do tribunal, caso contrário vai avisando vai avisando: “Se isto parar, alguém vai ter de nos indemnizar e são vários milhões. Certamente passara das duas dezenas”, garante Vieira de Castro reiterando a sua convicção de que o parque eólico e a preservação das pinturas rupestres são compatíveis. “Se não fizermos o parque eólico, ninguém vai ligar nada às pinturas porque não se vêem, só com luz polarizada e o povo da terra nunca viu nada daquilo, vão dar cabo de tudo como foi em Foz Coa e a verdade é que aquilo está falido”, diz.

É mais um episódio neste complicado processo que já começou em 2008 com a realização do concurso público por despacho do Ministro da Economia, mas que só em 2019 foi concedida a licença de produção pela Direção Geral da Energia e Geologia. Em abril de 2022, a licença de alvará de construção do parque eólico foi concedida pelo Município de Mirandela. Em de Outubro de 2022 deu-se Início ao processo de classificação da serra de Santa Comba como Sítio de Interesse Público. Uma das situações agora invocadas pelo MP para avançar com uma ação que tem efeitos suspensivos.

Recorde-se que, em novembro do ano passado, numa reunião extraordinária, a Assembleia Municipal de Mirandela aprovou uma recomendação, proposta pelos líderes dos grupos partidários daquele órgão autárquico, para que as várias entidades estatais que estiveram envolvidas no processo de licenciamento da instalação do parque eólico fizessem uma reanálise aos pareceres concedidos.

As reações dos partidos políticos

Paulo Pinto (PSD)
“O facto de existir tribunal neste processo só vem retardar quer o parque eólico quer a discussão sobre as pinturas rupestres que a população de Mirandela ainda desconhece por completo. Ficamos perplexos com esta novidade e vamos esperar pelos novos desenvolvimentos, só espero que não seja mais uma das trapalhadas em que este executivo esteja envolvido tantos têm sido os casos”.

Jorge Humberto (CDU)
“É o embargo da obra até à avaliação de novas condicionantes que foram aquelas que a CDU propôs quando convocou a Assembleia Municipal extraordinária para ser revista a posição da APA e há também a necessidade de uma nova atribuição de licença que agora está condicionada à avaliação de novos achados que vão, esperamos nós, parar a obra de uma forma definitiva. É essa a nossa esperança”.

Rui Pacheco (PS)
“É um processo de justiça. O que nos preocupou e continua a preocupar é que o processo tenha sido tão opaco durante tanto tempo e que o processo esteja neste momento num ponto mais avançado com conhecimento dos mirandelenses. Quanto à suspensão das obras, esperamos que haja aqui uma avaliação correta por parte de todos os organismos envolvidos de maneira a salvaguardarmos o nosso património, mas ao mesmo tempo termos a noção que há um contrato que tem de ser revogado de maneira a não haver surpresas para o futuro e não haver encargos para o Município no futuro que foi quem assinou o contrato com o operador””

Da parte do CDS, os dois deputados municipais que terminaram a reunião não prestaram declarações.

Jornalista: Fernando Pires

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