Os “Factos vistos à Lupa” por André Pinção Lucas e Juliano Ventura – Uma parceria do Canal N com o Instituto +Liberdade
Um território sem cadastro é um território sem dono claro, difícil de gerir e vulnerável a conflitos e ineficiências. Em Portugal, a falta de um cadastro predial completo continua a ser um entrave à boa governação do território, ao planeamento urbano e rural, e à definição de políticas públicas eficazes. Apesar de avanços recentes, o processo está longe de concluído e permanece uma prioridade adiada.
Em 2017 foi lançado o Sistema de Informação Cadastral Simplificada (SICS) e o Balcão Único do Prédio (BUPi), com o objetivo de agilizar o registo das propriedades nos 153 municípios do continente que não dispunham de cadastro predial. Após dois anos de projeto-piloto em 10 municípios, em 2019 o processo foi alargado a todos os restantes.
Seis anos depois, os resultados continuam modestos: apenas 36% da área foi cadastrada. Embora 75% já esteja identificada quanto ao uso e dominialidade, o passo essencial de completar o cadastro predial continua por cumprir. Para isso é necessário não só identificar os proprietários, mas também medir topograficamente cada parcela, registá-la e integrá-la no sistema, produzindo mapas rigorosos e fichas individuais com limites oficiais reconhecidos.

A ausência de cadastro tem implicações sérias. Dificulta a gestão do espaço rural e florestal, traduzindo-se em desafios acrescidos na prevenção e combate a incêndios, bem como prejudicando a ordenação do território. Complica a aplicação de políticas agrícolas, ambientais e fiscais e cria insegurança sobre a propriedade dos terrenos, desincentivando investimento e travando o desenvolvimento local.
É importante recordar que 125 municípios, sobretudo no centro e sul, já dispunham de cadastro predial. Essa diferença resulta de fatores históricos: no centro e sul, propriedades maiores e exploradas de forma intensiva foram mais facilmente registadas, muitas vezes por razões fiscais. No norte, a fragmentação fundiária manteve muitas parcelas fora do sistema.
O futuro do país depende também da clareza sobre quem é dono de quê. Sem cadastro, Portugal continuará a gerir o território com base em incertezas. Acelerar este processo não é apenas uma questão técnica: é um imperativo económico, social e ambiental. Concluir o cadastro predial é um passo decisivo para termos um país mais organizado, transparente e preparado para enfrentar os desafios do futuro.
André Pinção Lucas e Juliano Ventura
18 de agosto de 2025