Já por diversas vezes os Burros Mirandeses foram motivo de abordagens mediáticas, não só valorizando tudo o que tem sido feito na região, no sentido de evitar a sua extinção, como também promovendo a utilidade de um animal doméstico no sector agrícola.
Quem, como eu, nasceu e cresceu neste interior profundo do Nordeste Transmontano, sobretudo no meio rural, sabe muito bem o que significa para as atividades relacionadas com a agricultura a prestação dos burros.
A relação de proximidade com estes dóceis animais é histórica tendo sido sempre visto o contributo dos mesmos como um valor acrescentado que, em muitos casos, não poderia ser dispensado.
Porém, na sequência da revolução mecânica no domínio da produtividade agrícola, o trabalho do burro começou, progressivamente, a ser preterido e, não obstante os subsídios institucionais para a sua preservação, a população diminui passando a ser considerada uma espécie em vias de extinção.
Ora, recentemente, o Burro Mirandês foi tema de um artigo publicado no “New York Times”, o qual, pela forma como foi escrito, suscitou muitos e variados comentários.
A palavra, burro, passou, assim, a ser entendida, nalguns casos, como um duplo sentido. Com efeito, enquanto uns se referiram ao animal, transformando-o num inesperado protagonista protegido, outros entenderam que a palavra poderia ter um significado mais abrangente e humanizado.
Se neste recanto português, convivemos pacificamente com o burro, reconhecendo-lhe os seus méritos, também entendemos muito bem quando por burros nos querem fazer passar.
Independentemente do artigo do “New York Times” e dos seus efeitos mediáticos, teremos de concordar que, apesar do meritório trabalho realizado na preservação da espécie, para além dos burros propriamente ditos, se calhar também nós, aqueles que aqui sobrevivemos, estejamos a protagonizar um relativo papel de “burrice”.
Sim, de uma “burrice”, sustentada numa postura apática e incompreensivelmente acomodada, perante uma tirania institucional que nos isola e prejudica, por tudo e por nada.
Embora seja já considerada como uma “tradição” secular, apesar das promessas democráticas e dos grandes investimentos realizados no litoral do país, nas últimas décadas, os nordestinos continuam a ser prisioneiros fáceis e a assistir, impávidos e serenos, a todas as medidas que promovem e potenciam, evolutivamente, a desertificação do seu território e a uma desigualdade agonizante, fruto de um desinvestimento que leva ao acentuado empobrecimento, em relação a regiões do litoral, sobretudo à de Lisboa, a mais rica do país.
E contra factos não há argumentos. Os dados e as estatísticas falam por si. São uma vergonha nacional que parece não incomodar ninguém.
Os que teimam em sobreviver no Nordeste Transmontano não podem ser vistos como uma “espécie” em extinção, ou a extinguir, e, por conseguinte, continuar a tolerar inadmissíveis desigualdades entre cidadãos de um paí desequilibrado, em cuja Constituição não se sustenta esse desajustado Estado.
Teremos de admitir que continuamos incrédulos e desiludidos, perante a ausência de alternativas institucionais que nos tirem deste abismo socialmente discriminatório e imoral, mas jamais admitiremos que nos apelidem de “burros”, porque BURROS serão aqueles que promovem e cultivam a nossa interioridade, sem que aos seus atos seja atribuída qualquer espécie de penalidade e criminalidade.
Artigo escrito por Nuno Pires














