Artigo de opinião escrito por Patrícia Freitas – estudante de História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Tenho sentido uma certa relutância em escrever alguma coisa sobre este tema, porque, sinceramente, existe algo de muito cansativo sobre pensar acerca do estado a que isto chegou. Ao contrário do que disse, há dias, num programa televisivo, uma certa personalidade do mundo académico, eu sei como chegámos aqui e interessa-me saber o porquê. Não é fácil, de facto, pôr a mão na consciência; arrisco-me até a dizer que ninguém quer fazer isso, porque ia ser muito doloroso. Neste país de brandos costumes, responsabilizar quem merece já vai sendo pouco habitual. 

Foi notícia há pouco tempo que o ex-Ministro das Finanças, João Leão, injetou, através deste ministério, 5,2 milhões de euros no Centro de Valorização e Transferência de Tecnologias do ISCTE, sendo de seguida nomeado para o cargo de vice-reitor da mesma instituição, pouco tempo depois de ter abandonado as suas funções governamentais. Ora, só pode ser coincidência este encadeamento de situações que, curiosamente, não deixam de beneficiar o antigo ministro. O ISCTE é uma instituição de ensino superior pública, cujo financiamento é fundamental para o seu bom funcionamento e para a melhoria das condições de aprendizagem da comunidade académica: até aqui, penso que todos concordam comigo. Mas é leviano pensar que este financiamento foi feito sem a expectativa de receber alguma coisa em troca… 

Este é um dos episódios que faz da educação em Portugal um beco sem saída: prioridades invertidas, total desprezo pelo ensino pré-escolar, primário, básico e secundário, investimentos que provavelmente não trarão nada de concreto para o desenvolvimento do país. Uma atitude negligente que parte, em primeiro lugar, dos sucessivos governos que nunca tiveram um projeto sólido e visionário para a educação e, em segundo, da inércia dos ministérios da educação. Isto é compreensível num país como o Brasil, que tem um presidente cujo défice de educação é maior que o país que governa (durante a pandemia, o ministério da educação foi dos que sofreu maiores cortes orçamentais). 

O presente da educação em Portugal é um mau presságio para o futuro. Há muito tempo que a classe docente se debate com problemas estruturais que ainda ninguém teve a coragem de resolver. O número elevadíssimo de alunos por turmas, horários sobrecarregados com burocracia excessiva, dificuldade de fixação, precariedade, estagnação salarial, ausência de progressão na carreira, e podia continuar nas próximas três páginas. Acrescendo a estas questões, os professores não têm tempo para viver. 

Se Portugal se preocupasse em seguir o exemplo dos países nórdicos no que toca à educação como se preocupa em invejar os seus modelos de tributação fiscal, certamente não estaríamos nesta situação. E, para nosso espanto, o erro nasce logo dentro de casa: negligência dos encarregados de educação, quando dedicam a maior parte do seu tempo ao trabalho e acabam por empurrar os filhos para o pequeno ecrã, na esperança que estes se acalmem um bocadinho. Parem de olhar para as crianças como se elas fossem já um agente do mercado! Não, as crianças não precisam de ir para a escola a saber ler, falar inglês, construir foguetões. Precisam de brincar, desenvolver emoções, criar laços com outras pessoas. Não as desumanizem. 

A partir daqui, corre tudo mal. Vemos que as crianças/jovens passam a maior parte do tempo na escola, com um currículo sobrecarregado, desde cedo orientado para incentivar à competição desleal, ao invés de fomentar a cooperação. Não se desenvolvem outras valências, porque não há tempo para isso. E o que podem fazer os professores no meio disto tudo se estão ocupados com tarefas administrativas que não são da sua competência? Acabamos por conjugar vários aspetos negativos que só atrasam o desenvolvimento social, cultural e económico do país. Não existe uma hierarquia pré-definida, mas posso afirmar com convicção que os professores ocupam uma posição fundamental em qualquer sociedade desenvolvida e progressista. Se assim é, porquê o desprezo por esta profissão? Dedicam o tempo e a vida a uma causa que está em total decadência: a educação. 

A conjuntura que vivemos poderia ser uma oportunidade de mudança, mas a ambição é pouca ou quase inexistente. Se bem conheço o meu país, a ausência de uma visão de futuro e de longo prazo para as políticas de desenvolvimento económico e fiscal estende-se à área da educação, não havendo condições globais para melhorar serviços públicos que são essenciais. Pelo meio, quem perde são sempre os mesmos. 

Manifesto a minha solidariedade para com toda a comunidade docente, sindicatos, alunos e pais, na esperança de que o futuro do ensino seja uma prioridade nacional. 

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