Artigo de opinião escrito por Patrícia Freitas – estudante de História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Falar de Europa e falar de projeto europeu são coisas bem distintas. Em primeiro lugar, abordar a Europa apenas da perspetiva geográfica pode ser redutor, quando se tenta considerar os desafios que uma união de países com características marcadamente diferentes tem que enfrentar atualmente. Um traço comum à humanidade é, por vezes, a deambulação por ideais cujo caráter utópico se revela premente quando se passa à prática. O caso europeu é, sob diversas interpretações, um bom exemplo da sabedoria dos que governam, mas também do seu incurável e inatingível sonho da grandeza.

O caminho que se fez até aqui não pode nem deve deixar de ser analisado à luz da evolução cultural daquilo a que hoje chamamos de “Europa”. Se é difícil, encaremos o problema como uma forma alternativa de pensar a identidade europeia que hoje nos é comum. Como poderemos traçar um esboço sobre algo tão subjetivo como a consciência coletiva? Como poderemos sequer conceber uma cronologia espácio-temporal sobre o possível início de um sentimento de pertença a uma comunidade europeia? Se recuarmos alguns séculos, sabemos que Dante empregou três vezes a palavra “europa” na Divina Comédia, ainda que o termo tenha assumido pouca relevância na época medieval. Contrariamente, o Papa Pio II declara, já no século XV, uma mudança de paradigma, depois da invasão de Constantinopla pelos Turcos. Nos inícios da época moderna, já se criara um sentimento muito embrionário de “coletivo”, opondo os europeus (cristãos e civilizados) aos turcos (bárbaros e infiéis). A história da consciência europeia continua, de facto, por escrever. Assim se vai construindo um conceito que hoje assume contornos não só culturais, mas também políticos, económicos, sociais e comerciais.

A Europa tem passado, ao longo da história, por desafios constantes, quer no plano interno, quer no plano externo. Por um lado, há décadas que lida com graves questões humanitárias e com crises migratórias decorrentes de guerras já quase endémicas; a partir de 2008, uma crise financeira que, embora tivesse irradiado dos Estados Unidos da América, se alastrou sem piedade pelo velho continente, tendo deixado marcas até aos dias de hoje; a questão da integração económica dos Estados-membros que foi, desde o início, mal gerida; uma panóplia de contradições estruturais que, sob uma visão contemporânea, revela as boas intenções do projeto, mas uma péssima capacidade de concretização.

Para nós, jovens, talvez seja mais fácil encarar o projeto europeu como uma vitória simbólica da nossa soberania, da nossa afirmação comercial e concorrencial perante o resto do mundo, bem como uma recompensa por tantos séculos de guerras internas, indefinição de fronteiras, dúvidas quanto ao futuro político e geoestratégico de uma “terra” tão promissora. Mas a realidade é bem mais constrangedora: os resultados para as economias nacionais – à exceção do caso alemão – não vão de encontro ao que tinha sido projetado pelos arquitetos da europa. Vinte anos decorridos desde o início da circulação do euro, o comércio entre países da zona euro aumentou apenas 10%, em comparação com o aumento substancial de 63% entre a Alemanha e três países que optaram por não aderir à união monetária: Polónia, Hungria e República Checa. O mesmo se verifica em relação aos investimentos estrangeiros, que se concentram sobretudo na Alemanha e, mais uma vez, em países que não aderiram ao euro. É natural, ainda que destrutivo, que a convergência económica na zona euro esteja cada vez mais distante de acontecer. Parece que se anda a evitar a criação de uma verdadeira união fiscal e monetária que seja capaz de atenuar os impactos dos choques macroeconómicos e de contrariar a tendência das assimetrias regionais. Este foi um dos problemas iniciais e está longe de ser resolvido: como imaginaram que seria possível aglutinar economias com tantas diferenças? Estratégia ou não, a verdade é que países periféricos como Portugal, Espanha, Itália e Grécia têm economias menos desenvolvidas do que as dos países do Norte e os momentos de crise vêm acentuar esse desequilíbrio. O resultado? Pacotes de austeridade para resolver uma crise provocada por banqueiros, ao contrário do que nos fizeram pensar com a falácia da “dívida soberana”.

O caminho a trilhar para se chegar a um estado de união ainda é muito longo. Quando nos perguntam qual é a nossa origem, tendencialmente respondemos que somos portugueses, ou franceses, ou italianos. É raro ouvir alguém a dizer que é europeu em primeiro lugar. Porquê? A noção de identidade nacional prende-se com a existência de estados nacionais que, apesar da sua pertença a uma entidade política “superior”, se consideram soberanos e autónomos. É importante desconstruir a grande armadura institucional que impede uma visão mais esclarecida sobre o que é o projeto europeu. E, não menos importante, é a partir da convulsão social que se pode fazer a mudança. Os cidadãos europeus podem e devem exigir uma europa mais justa, cujas instituições democráticas correspondam a todos os desafios: os domésticos e os além-fronteiras. Um bom ponto de partida seria deixar de encarar a europa como um projeto político indissociável da noção de mercado. A cegueira da economia pode encaminhar a europa para um dilema sem precedentes; não nos esqueçamos das palavras de Varoufakis: “Why did Europeans agree to form the euro? Because the French feared the Germans, the Irish wanted to escape Britain, the Greeks were terrified of Turkey, the Finns wanted to prove they were more European than the other Scandinavians, the Spanish wanted to become more like the French, the Italians wanted to become German, the Dutch and the Austrians had all but become German, the Belgians sought to join both Holland and France, and, finally, the Germans feared… the Germans!”.

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