Uma parceria com o Instituto +Liberdade (maisliberdade.pt) com o Canal N
Nos últimos dez anos, Portugal reforçou de forma clara o número de médicos e enfermeiros por mil utentes. Entre setembro de 2015 e setembro de 2025, o rácio nacional de médicos subiu de 2,5 para 3,0 por mil utentes, e o de enfermeiros de 3,8 para 4,9. O aumento não ficou confinado a Lisboa e Vale do Tejo: foi transversal ao território, com ganhos particularmente visíveis no Norte e no Centro.
À primeira vista, estes números deveriam traduzir-se em menos pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde. No entanto, a perceção de urgências sobrelotadas, dificuldades em encontrar médico de família, tempos de espera para consultas e exames e desgaste das equipas continua muito presente. Isso sugere que o “problema do SNS” não se esgota na contagem de profissionais: está também na forma como o sistema os organiza, distribui e utiliza.

Há vários mecanismos que ajudam a explicar o paradoxo. Primeiro, a distribuição geográfica e por especialidades pode ser desigual: reforçar o total nacional não garante resposta onde a procura é maior. Segundo, a carga administrativa e a fragmentação de processos podem consumir horas clínicas valiosas, reduzindo a produtividade efetiva. Terceiro, quando a articulação entre cuidados de saúde primários, hospitais e cuidados continuados falha, muitos casos acabam por chegar às urgências, o que aumenta filas, internamentos evitáveis e pressão sobre as equipas. Por fim, a procura não é estática: o envelhecimento e as doenças crónicas exigem mais consultas, mais exames e mais acompanhamento. A isto soma-se o aumento da população e a maior complexidade do atendimento, com um perfil de utentes mais diverso — incluindo mais imigração — que coloca novas exigências de comunicação, integração e resposta clínica.
O reforço de recursos humanos é importante — e os dados mostram progresso. Mas, para que se sinta no terreno, é preciso atacar o resto: melhor planeamento, incentivos à fixação onde há carência, menos burocracia, boa gestão de equipas e coordenação real entre os diferentes níveis de cuidados, bem como entre os três setores: público, social e privado. Mais pessoas ajuda; um sistema melhor é o que faz a diferença. O foco deve estar em resultados: acesso, tempos de espera e horas clínicas libertadas.
André Pinção Lucas e Juliano Ventura
29 de dezembro de 2025

















