Há quem diga que trabalhar no Natal é apenas parte da missão de quem escolheu a área da saúde.

Que é rotina.

Que é “mais um dia”.

O cerne da questão é que quem já passou a consoada dentro de um hospital, quem já saiu para as estradas frias em plena noite de 24 de dezembro ao volante de uma VMER, sabe que não há nada de rotineiro nesses instantes.

No Natal, cada sirene parece mais alta, cada casa mais distante, cada gesto mais carregado de significado. Por isso, recordar-me-ei sempre do meu primeiro Natal de serviço na VMER, como se o estivesse a viver outra vez.

A noite caía cedo, o hospital estava dentro daquela calmaria tensa típica dos dias festivos, e a equipa da VMER tentava afastar a inevitável sensação de estar a meio caminho entre o dever e a saudade de casa. Até que o telefone tocou.

Era uma ativação, mais uma! Pensávamos nós, mas o dia era diferente e o contexto sempre similar…

Alteração do estado de consciência. Aldeia longínqua. Sem mais detalhes.

Saímos de imediato.

O nevoeiro que marcava presença era cortado apenas pelas luzes intermitentes e pelo som da sirene que ecoava pelos montes transmontanos. Havia algo naquela chamada que nos deixava inquietos.

Talvez fosse apenas o peso emocional da data, talvez fossem só pressentimentos, mas na emergência, aprendemos a confiar tanto nos protocolos quanto nos instintos.

Quando chegámos, encontrámos um homem pálido, ar débil, mas consciente.

A respiração era curta, a pele fria, o olhar profundo demais para aquele corpo tão frágil. Fizemos a avaliação, seguimos cada passo como mandam as boas práticas. Estávamos preparados para agir. Ele também estava preparado, mas não para ser salvo.

Depois das primeiras abordagens de estabilização, foi informado calmamente de que teria de nos acompanhar ao hospital. Ele respondeu, com uma serenidade que me desarmou:

— Não vou… Sei bem o que tenho…
Fez uma pausa, como de quem desafiava tudo por um bem maior. Olhou para a porta entreaberta, como quem escuta passos que ainda não chegaram.
— Os meus filhos vêm passar o Natal comigo. Talvez seja o último que passamos juntos.

O silêncio que se seguiu foi mais pesado do que qualquer diagnóstico. Naquele instante percebi que a emergência nem sempre é sobre lutar contra o inevitável. Às vezes, é sobre respeitar o que é importante para o doente — mesmo quando isso contraria tudo o que fomos treinados para fazer.

Saímos daquela casa diferentes. Não por termos salvado uma vida, mas por termos compreendido, na noite mais simbólica do ano, que a missão das equipas de emergência vai muito além da intervenção técnica. A VMER não leva apenas monitorização, oxigénio, medicamentos e meios para travar o inevitável.

Leva humanidade.

Leva escuta.

Leva presença.

O trabalho de quem está na linha da frente no Natal é feito destas histórias que nunca aparecem nos relatórios. Histórias que não se medem em tempos de resposta, mas em impacto silencioso. Histórias de decisões difíceis, de estradas longas, de famílias em suspenso, de profissionais que deixam a sua própria ceia para que outras possam ainda ter uma.

O homem daquela aldeia recordou-me que a urgência da vida não é sempre a que julgamos. E que, por vezes, o maior gesto de cuidado é permitir que alguém viva o que mais importa, mesmo que o tempo esteja a acabar.

Por isso, neste Natal, quando ouvirem uma sirene ao longe, lembrem-se disto: dentro daquela viatura segue uma equipa que carrega ciência, coragem, compaixão e, acima de tudo, humanidade. Porque a verdadeira magia do Natal acontece, muitas vezes, onde menos se espera — até no silêncio de uma casa perdida no meio da noite, quando alguém nos ensina o sentido profundo de estar vivo.

E é por isso que continuamos a sair, mesmo no Natal.

Porque cada chamada pode ser a última oportunidade de alguém.

Porque cada história nos transforma.

Porque há vidas que não salvamos… mas que, ainda assim, nunca esquecemos.

Artigo escrito por Nuno Pires, enfermeiro da ULSTMAD, membro da APSAT (Associação de Profissionais de Saúde do Alto Tâmega)

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