A serra portuguesa com maior concentração de pintura rupestre e com mais de sete mil anos de existência – que se estende pelos concelhos de Mirandela e de Valpaços, no distrito de Vila Real – está agora em processo de classificação como Sítio de Interesse Público e pode colocar em risco a instalação do parque eólico, um investimento superior a 30 milhões de euros.

Pode ser uma reviravolta no longo processo de criação do parque eólico de Mirandela que já tem 14 anos, desde que o Ministério da Economia concedeu licença para exploração, mas só há poucos meses é que o Município de Mirandela concedeu a licença de construção.

No entanto, o parque pode nem sair do papel, isto porque na semana passada, foi publicado em Diário da República, o início do processo de classificação da serra de Santa Comba, a serra portuguesa com maior concentração de pintura rupestre, como Sítio de Interesse Público.

A proposta da secção do Património Arquitetónico e Arqueológico do Conselho Nacional de Cultura abrange os sítios arqueológicos nas freguesias de Veiga de Lila e Valpaços, concelho de Valpaços, e nas freguesias de Suçães, Passos, Lamas de Orelhão e União das Freguesias de Franco e Vila Boa, no concelho de Mirandela, e contempla ainda uma zona especial de proteção (ZEP), que impede qualquer intervenção “sem prévio parecer favorável da administração do património cultural competente”. Ora, esta área abrange a zona onde está prevista a instalação do parque eólico com seis aerogeradores.

Para Maria de Jesus Sanches, do departamento de Ciências e Técnicas do Património da Universidade do Porto, que coordenou a equipa que descobriu as dezenas de pinturas rupestres agora em processo de classificação, entende que há mais um argumento de peso para o parque não avance. “Acho que já não podia antes e com esta zona especial de proteção evidentemente que também não pode, ou seja, não permite a instalação do parque”, diz.

Aliás, na consulta pública que está a decorrer até 2 de dezembro, a arqueóloga entende que “há o risco da área de proteção vir a ser alargada e nunca no encurtamento, porque o património arqueológico não desapareceu, ampliou-se e valorizou-se em termos de conhecimento”, acrescenta.

Nos últimos meses um grupo de cidadãos tem contestado, com uma página nas redes sociais e uma petição que reuniu até ao momento cerca de 200 assinaturas, o anunciado início dos trabalhos de instalação na serra de um parque eólico, alegando que a Declaração de Impacto Ambiental (DIA) está “desatualizada”, não refletindo as últimas descobertas porque reporta a situação ao ano 2014, reivindicando por isso “a suspensão do projeto”.

Argumento que também o socialista José António Ferreira considera válido. O historiador e atual secretário da mesa da Assembleia Municipal de Mirandela  que em conjunto com Jorge Humberto, deputado municipal CDU, tomaram uma posição pública a pedir a suspensão da instalação do parque eólico, dá um exemplo do que aconteceu na Galiza, na vizinha Espanha. “O tribunal chumbou a instalação do Parque eólico de Ancaras Corel que já estava parado, cautelarmente, desde 2019, e a razão deste chumbo foi com base na DIA que considerou que estava obsoleta por ter sido concedida há 14 anos atrás. Aqui esta já tem 8 anos”, afirma, ressalvando que nada o move contra o parque. “Sou favorável a novas energias limpas e alternativas no combate às alterações climáticas, como também a novas fontes de financiamento do Município, mas também sou favorável a todo um património arqueológico que nos foi deixado pelas nossas gerações ancestrais há mais de sete mil anos e que temos o dever de o salvaguardar e deixar para as gerações futuras e não pensar que dispomos da autoridade de permitir a instalação de um parque eólico em cima de um património cultural e arquitetónico que ali temos”, acrescenta.

A presidente do Município de Mirandela, Júlia Rodrigues, que já concedeu a licença de construção do parque, diz estar a aguardar pelas decisões dos organismos oficiais. “A câmara vai sempre respeitar as decisões oficiais. O que está em causa é a compatibilidade ou não de um investimento em energias renováveis e um investimento em património cultural. Os especialistas vão decidir e vamos manter a boa-fé com que sempre fez tudo, esperando que a solução seja o benefício de todos”, diz Júlia Rodrigues.

No entanto, a autarca socialista admite: “Se fosse hoje a decisão sobre o projeto, afirmo, sem dúvida, que poderia não ser a mesma que foi tomada em 2008, mas acredito que, à data, foi também feito com boa-fé de quem decidiu e a decisão pública tinha a mesma legitimidade que hoje teríamos para decidir, ou não, de forma contrária”, conclui.

No protocolo estabelecido com o consórcio que pretende construir o parque, o município de Mirandela tem direito a um milhão e meio de euros de compensação – já recebeu 500 mil – a 2,5% da receita bruta anual da produção de energia, cabendo ainda um montante correspondente a 0,5 da mesma receita às assembleias de compartes das freguesias de Lamas de Orelhão e Passos.

CONSÓRCIO DIZ TER TODOS OS PARECERES PARA AVANÇAR 

Entretanto, contactado o consórcio que pretende instalar o parque eólico, respondeu num extenso comunicado onde pormenoriza toda a cronologia dos passos dados desde 2008, para alegar que a exploração da estrutura “é perfeitamente compatível com outras atividades de prospeção e culturais relacionadas com o património arqueológico potencialmente existente na serra”.

Além disso, garantem que a obra “terá obrigatoriamente o acompanhamento arqueológico permanente e em caso de achado serão tomadas medidas conforme disposto na DIA”.

A empresa diz também que tem na sua posse todos os pareceres legais para avançar com a obra.

Jornalista: Fernando Pires 

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