Artigo de Opinião escrito por Miguel Gomes- Escritor

O caminho, nem sempre tortuoso, leva-me sob um calor abafado, o qual as vinhas agradecem e os bagos, roliços, pintalgados, prenhes de um rubor anunciador de grau, se deliciam. Consultei o GPS de véspera, há que preparar antecipadamente qualquer empreitada, ainda que para um funeral. Correcção, ainda por cima para um funeral. Somente a vida, perdão, a morte, não requer preparação prévia, basta umas boas golfadas de ar puro, meia dúzia de gargalhadas, um bom punho fechado sobre o horizonte, o tilintar de dois copos de whiskey e uma parelha de sonhos concluídos em forma de tela pintada a borras de vinho.

A vida é uma paisagem, do Douro, apaixonada por um rio onde o céu se vem espelhar, os socalcos alicerçados no suor galego, venha ele donde vier, regados no sangue que se esvai a cada partida deste mundo ilusório. Diria que do lado de lá a vinha somos nós e os nós com que nos cingem ao arame, para que despontemos à medida desejada, doutros não nossa, existiam apenas no nosso pensar inocente e sincero.

A mão na alça do caixão, o peso do que já não existe, o obradório numa ausência paroquial aos familiares a quem as palavras subsistem e prevalecem como, em forma de abraço, se alçasse do chão a quem este parece levar quem se amou. A quem se ama. Porque a morte, esta passagem sincopada da vida para a existência, só nos leva o fôlego, o melhor está, ainda, por vir (e rir).

Morrer em Trás-os-Montes é facultar um adeus transpirado em homenagem ao amigo que partiu no seu último suspiro, deixar o corpo repousar onde raízes incógnitas abraçarão e embalarão em agradecimento pelo que deixamos de alimento ao ventre do solo, ver rostos enrugados que anuem, pacientemente, à colheita a hora certa sabendo que a sua vem próxima. Cada vez mais menos velam, sabemo-nos torrão esquecido por uma terra que, um dia, para si reclamará o pó que lhe pertence. Graças a Deus.

E agora, Sr. Fernando, do lado de lá da vida, com a vista privilegiada para a ilusória vindima a que nos votamos, peço que me favoreça ao pintar-me a descer as escadinhas do inferno ou, escondido, como sempre, trace-me a fina mão, escondido que estou por detrás dos canaviais da solidão.

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