Por: Marisa Lages – Fisioterapeuta, Docente no Ensino Superior e Investigadora na área da Gestão

Começaria por mencionar Eduardo Punset, um dos pensadores mais lidos e queridos do mundo atual. Ele deixou-nos um grande legado de sabedoria. Punset refletiu sobre muitas das realidades. Entre elas, essa busca pela felicidade que envolve tantas pessoas no mundo, nomeadamente no contexto da gestão. Perante a atual realidade de medo que vivemos devido à pandemia, a felicidade urge como uma miragem abstrata e dificilmente visível nestes momentos tão conturbados de incertezas e desesperos no empreendedorismo.

Sendo uma palavra muito popular, é também muito difícil de definir. Essa é, talvez, a primeira dificuldade que enfrentamos ao ir atrás dela: não sabemos de que se trata.

Quando Eduardo Punset diz que a felicidade é ausência de medo, coloca-nos numa outra perspectiva muito mais realista e profunda. Certamente, todos nós conhecemos alguém que demonstra ser completamente satisfeito com o que é e com o que tem, embora já tenha passado por grandes sofrimentos ou carências e não tenha aquilo que costumamos chamar de “vida de sucesso”.

Também é muito provável que conheçamos alguém que revele o contrário, isto é: que seja uma pessoa com sucesso, poder, bens e pessoas queridas e, no entanto, não está feliz.

Por mais que muitos insistam em considerar que a felicidade é interna, costumamos esquecer essa verdade com muita frequência. Nós tendemos a fazer o contrário, ou seja, procurar algo externo. Acreditamos que, ao conseguir isso, encontraremos a felicidade.

Esse algo externo pode ser um amor, um objetivo ou um determinado estado de coisas. É assim que ficamos expostos a um fator sobre o qual muitas vezes temos pouco controle. Quando alcançamos esse objetivo, podemos descobrir que ele não nos oferece uma felicidade tão completa quanto imaginávamos.

Quando Punset diz que a felicidade é a ausência de medo, também indica duas outras coisas: uma, que a felicidade está dentro de cada um de nós. Outra, que não se trata de ter ou obter algo, mas de nos despir de uma emoção que nos oprime. O autor fala da ausência de medo em um sentido relativo. Mas reconheçamos que sentir medo não apenas é normal, mas é, também, saudável. É a emoção que nos permite reagir a riscos e perigos, fazendo com que tenhamos a oportunidade de nos preparar para isso. No entanto, na tentativa de nos proteger, por vezes vamos muito longe. Isso acontece quando conferimos um sentido de risco ou perigo a algo que, na verdade, não constitui nenhuma ameaça para nós. Porque é que isso acontece? Geralmente, devido aos efeitos de uma educação que nos fez pensar assim, embora também possa ser consequência de algum conflito psicológico não resolvido. Seja como for, muitas vezes ficamos sobrecarregados por um acumular de medos imaginários que nos oprimem e que não nos permitem ser felizes. Neste sentido, é possível que, no fim, tenhamos medo da felicidade e fujamos dela. Por medo, acabamos impondo restrições desnecessárias, rejeitamos vivências positivas, causando danos a nós mesmos.

Reportando-me ao mundo empresarial e à forma como os gestores vivem esta conjuntura de medo, constata-se o desenvolvimento de práticas de sobrevivência, nomeadamente políticas inteligentes sobre trabalho remoto; antecipar e mitigar obstáculos operacionais; e abordar os impactos sociais desta emergência médica.

Sabe-se que, em Portugal, a taxa de insucesso das empresas, nos primeiros cinco anos de existência, é alta. Na maioria das vezes, a falta de análise financeira, validação de mercado e o planeamento são os principais fatores causadores desse facto. Assim, a capacidade de resiliência dos empreendedores tem sido fundamental para ultrapassar as dificuldades iniciais. Acredita-se, igualmente, que, nesta nova fase, que a sociedade está vivenciar, devido aos impactos económicos da pandemia a nível mundial, mais do que nunca, as capacidades dos empreendedores voltarão a ser um dos maiores ativos de inovação para reerguer as economias locais.

O conceito de empreendedorismo está habitualmente associado à criação de novas empresas, de novos negócios. Contudo, empreender é também a capacidade de resolver problemas ou situações complicadas e adaptar-se a novas realidades, criar novos produtos, agregar valor, identificar oportunidades. Em suma, transformar o negócio de forma a garantir sustentabilidade e gerar lucro. Como consequência da pandemia causada pelo COVID-19, as empresas e organizações foram obrigadas a adaptarem-se, rapidamente, a novas situações, tais como o teletrabalho, novas formas de contacto e de relação com os clientes, a efetuar transformações que permitissem garantir a continuidade da sua atividade, e da sua sobrevivência. Esta transformação está a ocorrer de forma acelerada nas empresas portuguesas, demonstrando a capacidade das mesmas se reinventarem e se adequarem à nova realidade, implementando as mudanças necessárias.

É um desafio ciclópico para as empresas e para as suas lideranças. Um desafio que exige trabalho em equipa entre todos os elementos da organização. Porque é preciso criar os protocolos, mudar os processos e medir a sua eficácia, garantindo a agilidade e constante adaptação a regras que podem mudar semanalmente. Ao mesmo tempo que é preciso, constantemente, garantir que os colaboradores assumam a informação e interiorização das medidas. Por outro lado, e fundamental criar um ambiente positivo de trabalho, que não viva do medo. E porque na incerteza é preciso ir ganhando certezas e encontrando alternativas, é importante criar cenários para a necessidade de substituir pessoas críticas à continuidade do negócio.

Às lideranças exige-se coragem, que a dimensão humana seja sempre contemplada em todas as decisões, transparência, proximidade, comunicação.

Da mesma forma, é premente criar, no seu modelo de negócios básico, uma narrativa mais adequada sobre os negócios que tenha em conta as questões sociais. Ver a sociedade como um “acrescento”, que, apenas, é tida em conta quando restam alguns lucros, não satisfará boomers ou millennials. Os negócios devem avançar segundo o seu propósito, a sua missão. Estreitamente ligada a esta preocupação está a capacidade de compreender como os principais stakeholders são afetados. Assim, os líderes têm de compreender que estão incluídos na sociedade, não existem, apenas, em mercados competitivos. Isto significa que têm de liderar com questões sociais, principalmente com aquelas que são importantes para os seus modelos de negócio. O principal fator para uma melhor versão do capitalismo é compreender que os negócios são um empreendimento humano. Devemos ver as pessoas em toda a sua humanidade, não apenas como agentes económicos que procuram maximizar os seus interesses pessoais individuais. Ver o negócio como algo totalmente humano envolve juntar negócios e ética em modelos que criam valor para todos os stakeholders. Falar é fácil. Contudo, se usarmos as nossas imaginações criativas, podemos desenvolver negócios, economicamente, viáveis e que podem criar um mundo melhor.

Perante esta reflexão, assumidamente, generalista não poderia, encontrando-me a viver no interior do nosso país, eximir-me a deixar aqui uma pequena consideração sobre o mesmo. É primordial olhar e repovoar-se o Interior, que tem sido muito abandonado e muito desertificado. Aqui a felicidade sempre se sobrepôs ao medo. Sempre senti esse medo de que vos falei. Regressar aos sabores tradicionais do País, ao turismo rural, à natureza, no seu estado puro, parece ser uma boa alternativa. É o regresso às origens. No entanto, auguro que, por aqui, este Reino continue. Maravilhoso. Acredito que assim será.

Termino com esta citação para refletirem:

“A felicidade parece intoleravelmente fugidia a muitos de nós. Como o nevoeiro, vemo-la longe, densa e cheia de forma. Porém, à medida que nos aproximamos, as suas partículas dispersam-se e, de repente, ela está fora do nosso alcance, embora se encontre a toda a nossa volta.” (Moss, J., 2017)

 

 

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