Artigo de opinião de Elói Gouveia Santos – Responsável de Comunicação Empresa Pública Municipal

É usual, entre nós, a utilização da expressão “luz ao fundo do túnel”.  A impressão com que fico é de que temos mais túneis do que luz e que, portanto, talvez fosse mais útil convencermo-nos disso mesmo. Pouparíamos deceções.

Passada esta introdução, que nada ajuda à coerência do texto, mudemos de tema.

Falemos, desta vez, da origem do mal. Não disponho de caracteres suficientes para discorrer sobre o mal em si, mas antes de algumas variantes – onde é que já ouvimos esta palavra? – que atravessam o nosso dia-a-dia. Não é que aquilo que eu considero mau seja consensual ou, sequer, suficiente para convencer quem quer que seja.

Um dos males maiores, a meu ver – repito – é o modo como combatemos as incertezas e inseguranças. E como o fazemos? Através da correria e de uma praga de “urgente” que titula tudo que é comunicação: email, mensagem, entre outros.

O “trinco” é, no futebol, aquele que acorre a várias situações, cortando as linhas de passe do adversário e roubando-lhe a bola. Um bom trinco precisa de inteligência que lhe permita pensar estrategicamente e antecipar jogadas, oferecendo ao jogo da sua equipa a clarividência como arma. Se viver de sprints, ao fim de uns minutos torna-se inútil. Acorreu a meia-dúzia de urgências e perdeu o fulgor, sendo, provavelmente, substituído pelo treinador.

A gestão de tempos na sociedade atual, em que o digital parece ser o novo El Dorado, constitui um problema de valorizações diversas: qualidade, conhecimento, rapidez, etc.

O conhecimento foi substituído pela mera curiosidade e o acesso demasiado fácil à informação, por muito paradoxal que seja, retira valor à consolidação do saber. Acabamos por saber muita coisa (desnecessária) porque nos fazemos transportar “aos ombros de gigantes”.

O instantâneo vence a batalha do ritmo, e o urgente/rápido sobrepõe-se a tudo o resto. O curioso é que se tudo for urgência, acontece uma de duas coisas: ou a palavra perde significado ou a realidade se encarrega de dissipar a importância da concretização.

“Partir o telemóvel” é uma música que tem um exótico autor/interprete. Talvez a mensagem não seja assim tão disparatada quanto pudemos pensar em primeira instância. Parece quase um ato de revolta contra os ritmos acelerados, uma espécie de insubmissão.

A prevalência do instantâneo tem no acesso constante a principal arma. Estamos todos disponíveis, em qualquer lugar, para qualquer pessoa, a qualquer hora. Vivemos de “pressas” e não compreendemos a urgência da vida e da irrepetibilidade dos seus momentos.

Estamos enamorados, apaixonados, embeiçados, pelo digital/teletrabalho. Não nos apercebemos dos seus inconvenientes, de como altera as regras do jogo, perigando a privacidade – a que tão brilhantemente aludiu Orwell no seu 1984 -,  e da forma como retira importância às relações pessoais, essas sim, verdadeiras urgências.

Tal como o Príncipe Míchkin – O Idiota – percebemos perfeitamente a situação e somos capazes de a cartografar. No entanto, movidos por uma bonomia inexplicável, marchamos rumos ao que consideramos ser  a urgência do futuro. Que as falsas urgências continuarão a existir, é um facto. De um certo modo, somos um enforcado que transporta alegremente a sua corda até ao cadafalso.

Aí, nesse cadafalso que é o digital e que nos é impelido como “futuro”, rolarão cabeças.

Surgirá, urgente, a questão que permite resposta eternamente renovável: Então, e agora?

Atrevo-me a sugerir que antecipemos a resposta a essa pergunta. Repito, prejudicando a elegância da prosa:

Então, e agora? A esta responderia a sempre fiável sabedoria popular: Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje.

É urgente transformar o urgente. Se tudo for urgente, nada é urgente.

Então, e agora?”

 

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