A noite de Natal é, para muitas pessoas, um momento de celebração, de reunir a família e partilhar alegria. Contudo, nos serviços de urgência, o Natal assume uma tonalidade bem diferente, marcada pela doença, pela intensidade da dor, pela ansiedade e, muitas vezes, pela solidão. Lembro-me de uma noite de 24 de dezembro, no serviço de urgência, que me marcou profundamente enquanto enfermeira. Uma noite em que, para alguém, não era só a doença e a dor não era apenas física, mas emocional.
Era uma noite fria, típica de Natal, o serviço de urgência estava lotado de doentes e as patologias eram variadas. Contudo, uma doente em particular chamou a minha atenção. Era uma senhora de idade avançada que chegou com dificuldade respiratória, o que, à partida, parecia ser uma complicação comum para alguém da sua faixa etária. No entanto, ao entrar em contacto com ela, percebi que havia algo mais, para além da doença, que a estava a angustiar.
Depois de estabilizarmos a sua condição respiratória, aproveitei para conversar um pouco com ela. Foi então que, com a voz embargada, me disse: “Este é o meu primeiro Natal sem o meu marido. Estivemos casados durante 60 anos, e ele faleceu há apenas um mês. Nunca imaginei que um dia o meu Natal seria assim, sozinha, num hospital e sem ele.”
As palavras dela, carregadas de tristeza e de uma saudade profunda, tocaram-me profundamente. Para ela, aquele Natal – e todos os que viriam – nunca mais seriam como os anteriores, cheios de alegria, partilha e sem lugares vazios na mesa. Era um Natal de luto, de despedida, e ela sentia essa ausência não apenas fisicamente, mas também na alma. Não era apenas a doença, a dor do corpo, mas a dor da alma que mais a marcavam naquele momento.
Foi nesse instante que compreendi a verdadeira necessidade de cuidado que aquela senhora tinha. Não se tratava apenas de administrar medicamentos ou realizar procedimentos médicos. Tratava-se de escutar, de oferecer um espaço seguro onde ela pudesse partilhar a sua dor, de acolher o seu sofrimento e, acima de tudo, de tentar proporcionar algum conforto no meio de tanto caos. Decidi, então, que faria o possível para aliviar a solidão dela.
Com a sua autorização, fiz uma chamada de vídeo com os filhos dela, que estavam em casa, para que ela pudesse vê-los e conversar um pouco. O seu rosto, que antes estava marcado pela tristeza, iluminou-se com aquele gesto simples, mas profundamente significativo. Aquele momento de contacto, de proximidade, foi um verdadeiro bálsamo para ela.
Este episódio ficará para sempre na minha memória: a senhora, com os olhos marejados, a sorrir ao ver os filhos e a partilhar algumas palavras com eles, enquanto todos tentavam fazer o possível para que ela se sentisse acompanhada, mesmo à distância.
Este momento não foi apenas sobre a nossa capacidade técnica de cuidar, mas sobre o poder do contacto humano, da presença e da empatia. Muitas vezes, na correria do nosso trabalho, somos absorvidos pela urgência das situações, mas o que realmente nos distingue, como profissionais de saúde, é conseguirmos dar à dor do outro um espaço para ser reconhecida, acolhida e valorizada. Não podemos apagar a dor, mas podemos suavizá-la e mostrar que, naquele momento, a pessoa não está sozinha.
Ao despedirmo-nos, ela agradeceu-me com a voz trémula, mas com uma gratidão visível. “Obrigada, minha filha. Não sei o que teria sido para mim esta noite de Natal sem o teu cuidado.”
Para mim, aquele agradecimento, aquele olhar de alívio e conforto, tocou-me profundamente. Foi como se, naquele instante, todo o esforço, toda a noite em que estive longe da minha própria família, se tivesse transformado em algo maior.
No fundo, a verdadeira magia do Natal não se encontra nas celebrações ou nos presentes, mas na dádiva silenciosa de estar presente para o outro, de oferecer o que temos de mais precioso: o nosso tempo, a nossa atenção, e o nosso cuidado.
Artigo escrito por Maria Luís Domingues, enfermeira da ULSTMAD, membro da APSAT (Associação de Profissionais de Saúde do Alto Tâmega)
















