Artigo de Opinião de José Martinho – Tradutor oficial, Deputado Municipal em Lausanne (Suíça)

O Natal está à porta. E à semelhança do que aconteceu com o Menino há cerca de dois mil anos, muitos não terão, desta vez, lugar na hospedaria, não terão lugar à mesa com a família. Por uma boa causa, em nome da saúde pública. No entanto, e por incrível que possa parecer, este será certamente o Natal mais autêntico e genuíno das últimas décadas. Em que, por força das circunstâncias, os valores desta quadra, tais como a simplicidade, a solidariedade, a partilha, a generosidade e a gratidão, assumirão uma importância preponderante.

Assim como a Primeira Guerra Mundial atirou definitivamente o mundo para o século XX, o ano de 2020 pode muito bem ter sido uma báscula semelhante. De facto, um minúsculo vírus conseguiu perturbar as nossas vidas, os nossos hábitos e as nossas certezas. Quem teria imaginado tal cenário há um ano atrás ? Conseguiu traumatizar-nos com a sua procissão de caixões, pondo fim ao que considerávamos normal, travando o crescimento económico e a prosperidade tidos como óbvios, com efeitos perniciosos cuja magnitude ainda não conseguimos medir. A ronda punitiva desse estranho Père Fouettard (o Papão que acompanha São Nicolau nas suas rondas, distribuindo pedaços de carvão e/ou espancamentos a crianças desobedientes, enquanto São Nicolau dá prendas aos bem comportados) seguiu uma trajetória imprevisível, atingindo regiões que não o esperavam, e portanto, mal preparadas. O que nos levou a redescobrir coletivamente a relatividade das coisas.

Esta pandemia está a desgastar a paciência das pessoas. Daí a polémica que opõe a prevenção da saúde à defesa das nossas liberdades individuais. Porque não se trata nem mais nem menos do que um questionamento dos valores da nossa sociedade. Esta crise terá demonstrado mais uma vez nossa incapacidade de encontrar uma solução comum para um problema global, com cada país e Governo a avançar às apalpadelas e a aplicar as suas próprias soluções. Mais do que um sistema político terá sido severamente testado e posto à prova.

E ainda nem conhecemos muito bem as consequências a longo prazo desta pandemia. Não sabemos como será a “nova normalidade”, a não ser uma aceleração da nossa entrada na era digital e um mais que provável fortalecimento da Ásia, e nomeadamente da China.

E já que falamos em era digital: Skype, Zoom, Google-Meet e alguns outros neologismos californianos tornaram-se nos nossos novos companheiros de trabalho diários. E se uns demoraram a acostumar-se às novas ferramentas de trabalho, outro houve que o fizeram com facilidade. Para uns e outros, estabelecer relações de confiança pela Internet não é algo simples. Mas que economia de tempo ! Sem filas nos aeroportos, sem engarrafamentos… Por outro lado, nada substituirá nunca o contato humano, um aperto de mão franco, o calor de um olhar nos olhos.

Raramente as nossas trajetórias de vida pessoais têm sido tão dependentes do desenvolvimento da sociedade como um todo. O que cada um de nós faz pode parecer fútil. Mas ao mesmo tempo, esta crise terá sido reveladora. Porque cabe a cada família, a cada um de nós, reinventar o seu modelo de equilíbrio.

Apesar de vivermos este período um tanto estranho, desejo Festas felizes para todos. E que este Natal seja um Natal de verdade… Em que o «ser» prevaleça sobre o «ter», em que o «doar» signifique bem mais do que «dar» e em que a beleza dos corações transborde no olhar. Que nesse dia, apesar da distância e do distanciamento, estejamos todos reunidos pela confiança e pela esperança. E votos um ano de 2021 repleto de otimismo e entusiasmo renovados, marcado pelo retorno a uma situação de saúde controlada e de relações multilaterais conducentes a soluções globais.

Boas festas a todas e a todos !

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