Artigo de opinião escrito por Rita Teixeira – Jornalista

A sociedade construiu um papel em torno da mulher, que afirma ser o mais correto e que ela deve seguir sem sequer questionar. E se não são os estranhos, a própria família indica-lhe qual o caminho de uma vida “perfeita”.

Encontramo-nos em pleno século XXI e gostava de acreditar que a mulher já pode tomar as suas próprias decisões sem ser julgada, mas cada vez mais acredito que nunca vamos ter esse poder.

Durante esta semana, a maioria dos órgãos de Comunicação Social em Portugal noticiaram que um professor do curso de Direito da Universidade do Porto recusou entregar o enunciado do exame a uma aluna, pela forma como esta estava vestida. 

Segundo ele estaria demasiado “destapada”. É proibido uma mulher mostrar a pele? Não, não é. Mas então porque é que a maioria das pessoas insiste em controlar a forma como estas se vestem? Porque elas não usam roupa para se sentirem bonitas e confiantes, mas sim para provocar o sexo masculino. 

Agora vamos fazer uma pequena viagem no tempo, até meados de setembro de 2020, quando uma jovem acusou um revisor da CP de assédio, após este ter feito um comentário acerca do seu corpo e da roupa que envergava durante uma viagem de comboio entre Carrascal e Tomar.

A vítima explicou na altura que o revisor olhou para o seu decote enquanto comprava o bilhete e terá dito “ainda bem que não está frio ou as mamocas constipavam-se”.

Ao qual esta questionou “Agora não posso andar de vestido?” No vídeo gravado por Sara, foi possível ouvir o profissional a responder à jovem: “Há normas para viajar num transporte público. Fique sabendo que não tem condições para viajar assim. Anda aí a provocar os homens todos!”.

Conseguem ver as coincidências? Desde quando é que uma peça de roupa é sinónimo de qualquer outra coisa? A única conclusão que consigo retirar destas atitudes é que a mulher pertence, afinal, ao mundo. Pertence ao revisor que – descaradamente e sem remorsos – a assedia, pertence ao professor que – abusando do seu poder e privilégio – lhe recusa o direito à educação, pertence a pais, amigos, colegas de trabalho, desconhecidos, a toda gente, menos a ela mesma. Somos acusadas pelas nossas ações, mas o nosso corpo e vida são, invariavelmente, mais do mundo do que nossos.

Ambas as instituições – Faculdade de Direito da Universidade do Porto e a CP Comboios de Portugal – abriram um inquérito disciplinar e pediram desculpas. Mas desculpas não chegam. Mudança de mentalidades sim.

Ou o tipo de roupa que usamos afeta a nossa inteligência e profissionalismo e ninguém me avisou?

Como se não já não fosse suficiente a sociedade dizer o que uma mulher pode e não deve vestir, há ainda outros requisitos. Casar, construir família, dominar tarefas domésticas… esta é a receita para a felicidade. Mas só para algumas delas. 

Imagem: Cartoon de Doaa Eladl

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