Por Agostinho Beça

Em tempos, a respeito de uma imagem, com caçadores e perdizes, que coloquei numa rede social no espaço cibernético, levei um valente “recado” de um ilustre desconhecido:

«(…) Logo as perdizes, que são tão lindas… Não sei se te deste conta, mas o sabor da carne das aves é o mesmo, inclusive o das galinhas… então, vamos comer galinhas e patos e deixar os passarinhos que enriquecem e alegram a Natureza em paz. (…)»

(…)

«(…) eu já sei q só caças fotografias… o recado foi para o Agostinho Beça… tu, sendo escuteiro, não serias capaz dessa malvadeza

É claro que respondi ao Senhor Fulano, de forma cordial e civilizada – “com o devido respeito…” – ao contrário do que muitas vezes se lê em inúmeros comentários excessivamente agressivos feitos por extremistas com posições anti caça…

E agora, aqui para nós: Esta pessoa nunca deve ter cheirado sequer, muito menos provado, uma perdiz estufada, ou preparada doutra qualquer forma, na cozinha dum lar transmontano…! E desconhece, claramente, que a carne das aves bravias, porque isenta de antibióticos, desparasitantes, coccidiostáticos e outros medicamentos, tem características organolépticas incomparavelmente mais agradáveis e saudáveis para o consumidor.

Mas, perante tais afirmações, somos levados a pensar que estas pessoas devem imaginar o caçador aproximando-se, sorrateiramente, por detrás de uma árvore, com ar de perverso malfeitor (tal como nos desenhos animados…) e, disparando a espingarda, “fuzila” criminosamente as desgraçadas-e-indefesas-perdizes-simples-passarinhos-que-não-fizeram-mal-a-ninguém e se encontram de papo para o ar completamente distraídas e postas em sossego a apanhar sol… [perdoem-me a ironia os mais susceptíveis…]

Talvez assim pensem porque apenas costumam observá-las a partir do interior dum automóvel, atravessando um caminho ou depenicando num restolho, quando parecem algo vulneráveis (e são…!!!); paradoxalmente não temem a “máquina” e na presença da figura humana ou um predador logo empreendem a fuga.

Pois bem, não é nada disto…! Nem as perdizes são passarinhos indefesos, nem os caçadores são perversos malfeitores.

As perdizes são dotadas de extraordinárias capacidades de fuga e de mimetismo. Conhecem bem o território onde nasceram e são capazes de escapar incólumes, a maior parte das vezes, voando de um cabeço para o outro com grande facilidade e numa velocidade estonteante… Noutras situações parece que a terra as “engoliu”…

Caçar perdizes nas ladeiras transmontanas e alto-durienses é bem diferente do que pensam os não caçadores. É preciso ter alguma aptidão, astúcia e conhecimento dos seus hábitos, resistência e força física, suar muito, percorrer quilómetros em terrenos difíceis, subir e descer, cair, levantar, arrebunharmo-nos todos no meio das estevas e silvas, rasgar a roupa e gastar as botas, por vezes com a chuva a cair por todo o corpo e a chegar até aos ossos… ou seja, exige esforço, muito esforço e será também imprescindível alguma virilidade. Depois de levantadas dará jeito algum “saber” – que os mais velhos transmitem aos principiantes – para as “trabalhar” no terreno… é um jogo, um autêntico desafio, em que nem sempre o caçador sai vitorioso!

E, no final da jornada, com ou sem perdizes abatidas, estamos pacificados, sentimos a bem-aventurança e libertação espiritual que só os caçadores conseguem alcançar…, no dizer de Miguel Torga, grande mestre da escrita e da caça às perdizes. [Atenção que não estou a falar de caçar espúrias perdizes criadas em cativeiro e postas no terreno…!]

É possível caçar às perdizes com arte e elegância, com nobreza e sempre com lealdade para com esta ave magnífica, esquiva e bravia… Mas, se não forem os cães exímios caçadores, a caçada poderá ficar condenada ao fracasso!

Sim, os cães também são caçadores! E sentem prazer em acompanhar o dono no acto de caça. Se calhar muitos dos “amigos dos animais” nem sabem que estes cães estão “equipados” com especial e inata apetência para caçar e provavelmente nunca terão visto as exuberantes “paragens” dum Perdigueiro Português, um Pointer, um Setter, um Braco, ou outros “Cães de Parar”, o espectáculo que proporcionam quando sentem, por vezes a distâncias incríveis, os eflúvios duma codorniz ou perdiz oculta pela vegetação típica do seu habitat… Pergunto-me ainda o que poderão pensar se virem um desses cães entregar ao dono (e companheiro) uma perdiz, “cobrada” com esforço e dedicação, manifestando enorme satisfação e esperando em troca apenas sentidos e afectuosos afagos na cabeça…

Os meus cães são felizes a caçar! Tal como são felizes os Huskies dos países nórdicos a puxar trenós em terrenos cobertos de neve, percorrendo longas distâncias… e outros, noutras funcionalidades e aptidões naturais ou induzidas pelas necessidades dos humanos.

E há mais propósitos interessantíssimos na prática da caça… que são só atitudes puramente contemplativas…

Agora, voltando ao tema inicial, quanto a outra imagem de perdizes e lances de caça colocada na mesma rede social, recebi mais a seguinte observação:

«Que mal fez esta perdiz? Ainda gostava de saber (…)»

Essa é boa! Então só seria legítimo capturar espécies cinegéticas se nos tivessem feito algum mal…!!!???

As espécies cinegéticas são um recurso natural renovável, como são os cogumelos, a biomassa, as energias solar, eólica e geotérmica e outros elementos da natureza passíveis de uso para atender às precisões das pessoas. Como tal, o recurso pode e deve ser gerido, obviamente que de forma racional e sustentada!

Nos dias de hoje, caçar não é um acto irreflectido, é criterioso e coerente, além de ser uma das actividades lúdicas mais regulamentadas nas culturas europeias modernas, desde há muito tempo atrás, pelo menos desde a Idade Média…

Em qualquer Zona de Caça do Regime Ordenado há limites para o abate de perdizes, para o número de caçadores em cada dia de caça, etc., etc., revelando profundo respeito das Leis dos Homens pelas Leis da Natureza…

A Gestão Cinegética já é tema central de muitos cursos profissionais e até uma disciplina de cursos superiores ligados à gestão dos recursos naturais.

Quem se pronuncia da forma descrita contra a caça, desconhece que há Ordenamento Cinegético e que para a recolha de cogumelos, por exemplo, só agora surgiu verdadeira preocupação com o assunto!

Confesso enorme dificuldade em receber lições de “amizade aos animais” da parte de quem assim se pronuncia e que o faz, em meu entender, porque só conhece ambientes urbanos e não tem a mais pequena ideia de como se processam as interacções dos humanos mais campesinos com os seus animais (sua propriedade…), com os dos vizinhos e com os de todos…, isto é, com os que a Divina Providência pôs à disposição da humanidade para seu uso e fruição!

O caçador não anda a matar animaizinhos indefesos – a racionalidade do humano-caçador-predador, relativamente aos restantes predadores, impõe que só deve ser retirado do meio o que se iria perder por morte natural ou consumido por outros predadores… e a isto se chama exploração sustentável do recurso.

A nossa Perdiz vermelha ou Perdiz-comum (Alectoris rufa) é um endemismo ibérico – o mesmo é dizer que não existe em mais lugar nenhum do mundo (excepto numa parte do Sudoeste de França e em Inglaterra onde foi introduzida) – pelo que podemos afirmar, com toda a autoridade, que se trata de património genético único. Lamentavelmente, nalgumas regiões do país e principalmente em Espanha, não temos sabido preservar a espécie no seu ambiente natural…

Mas deixem-me dizer que vivo, liricamente, na esperança de que, um dia, os decisores e governantes a nível local, regional e nacional, acordem e percebam a importância estratégica de gerir bem este recurso natural renovável nos territórios do interior.

O assunto não se esgota aqui. Muito há ainda para dizer e fazer em defesa de uma ave tão interessante em todos os aspectos, inclusive quanto ao potencial económico para a região. Creio que seria possível ter nas nossas ladeiras caçadores Ingleses, Italianos, Franceses, Americanos, etc…a caça e o turismo de natureza são actividades que podem caminhar lado a lado, de grande relevância no processo de desenvolvimento regional.

Será possível ter boas densidades de Perdiz Natural nos nossos terrenos? Claro que sim.

Vale a pena defender, com todas as forças, o singular património genético que é a verdadeira perdiz bravia no seu ambiente natural. Ela pode ser a nossa “galinha dos ovos de ouro”, ou, melhor dizendo, a perdiz-dos-ovos-de-ouro…

Agostinho Beça

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